No tempo de eu menino – Doce Japonês – por Sosígenes Bittencourt.

Uma vez minha mãe disse a minha irmã que comida de rua era porcaria. Quando o doce japonês passou na porta de casa, minha irmã pediu a minha mãe: – Mamãe, compra porcaria pra mim.

Comi muito as cocadas de dona Isabel, algodão de açúcar, pirulito, cavaco, chupei picolé de mangaba. Eu comia essas guloseimas populares, escondido, porque mamãe não queria que eu degustasse comida de rua. Foi quando aprendi que tudo que dá medo e é proibido excita o desejo.

Hoje, porcaria que eu conheço é comida industrializada e preservada na base do conservante. Tá ligado?

Sosígenes Bittencourt

Lenga-lenga entre Política e Economia – por Sosígenes Bittencourt.

Na realidade, é enorme a confusão que se faz, porque POLÍTICA e ECONOMIA são duas áreas distintas. A Política é uma invenção grega formidável para refletir a vontade dos homens, enquanto que a Economia passa ao largo da vontade dos homens – já nos esclarece o sociólogo Francisco Maria de Oliveira, fundador e, hoje, crítico do Partido dos Trabalhadores.

A Política deve corrigir as distorções da vida social. A Economia é o troço mais fluido do mundo, basta o coração balançar, o dinheiro vai pelo ralo. Senão riquezas milionárias não desabariam como um castelo de cartas. E como é que um Regime Político pode mandar em algo tão volátil?

A Política deve cobrar os impostos e destinar aos que não têm poder de competitividade. Depois, impedir que os que têm o poder de competir se entredevorem. Ninguém pode proibir alguém de enricar às custas do seu trabalho e de suas economias. Também não pode dividir o que foi conseguido com quem não conseguiu.

A Política pode e deve taxar as riquezas e injetar na miséria para extirpar este câncer social que não é natural, é produzido pelo homem. A função da Política é de uma importância ético-moral indiscutível e fundamental no desempenho deste papel.

Sosígenes Bittencourt

PADRE RENATO DA CUNHA CAVALCANTI – por Sosígenes Bittencourt.

Conheci padre Renato nos meus idos de menino. Havia meninos naquela época. Estudava na Escola Paroquial, sob a batuta maestrina de profª Luzinete Macedo. Bonita e asseada, educada e enérgica, explicativa, toda pedagógica. Foi lá que aprendi a conjugar o verbo AMAR.

Padre Renato era uma réstia de fé a deambular pela Igreja, uma espécie de souvenir de Roma. Em nossa mente de criança, parecia ter visto Jesus e conversado com Deus em oração. Sua figura nos remetia a reflexões sobre coisas transcendentais. Figurativas ainda, mas invisíveis mesmo assim.

Como nos sentíamos protegidos naquela época… O farfalhar dos coqueiros parecia uma conversa, e o coral dos grilos compunha a sonoplastia das estrelas. Vinha dos ensinamentos religiosos, nosso hábito de erguer a cabeça e ficar olhando para o céu. Não sei o que padre Renato vislumbrou em Vitória, mas sei que temos a glória de tê-lo como personagem de nossa história.

Requiescat in pace.

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Filho indesejado – por Sosígenes Bittencourt.

Em cima de filho indesejado, nada mais inútil do que chibata moral e desespero. Justamente porque filho não programado é geralmente fruto de emoção desenfreada, apetite incontido. O procedimento deve ser sempre a preservação da serenidade em busca da razão, embora tardia, para solucionar questões do passado. A vida ensina que no passado nem Deus põe a mão. O passado construído pelo homem é “vontade permissiva de Deus”.

Se filho indesejado é resultado de liberdade desenfreada, por que desespero para consertar loucura? Antigamente, quando um menino trelava excessivamente e fugia ao controle era chamado de “desesperado”. No dia em que “desespero” pagar compromisso, eu o aconselharei para sanar dívidas.

Logo, a primeira atitude racional deve ser identificar o pai da “arte”, uma vez que a mãe está à nossa frente com o fruto no ventre. Não adianta arrumar pai para menino e adiar uma questão que será um dramalhão no futuro. Essa questão de dizer que pai é quem cria é deslavada mentira. Pai é quem fecunda óvulo, quem cria é mantenedor. Agora, se o mantenedor é zeloso e ama o enteado, merece ser amado, é outro detalhe. Se o pai é um sem-vergonha de marca maior, e a mãe engravidou por distração carnal, não assumindo os seus atos, não merecem ser amados, o que nem sempre acontece. Merecer não é sinônimo de recebimento, gratidão. Às vezes, o sujeito cria o alheio e recebe pontapé no focinho. Em suma, a vida estará sempre acima de tudo. Todo expediente em favor da vida será bem-vindo, e todo expediente contrário à vida será pecado.

Ainda em relação à paternidade, em caso de dúvida, a ciência entrará com o DNA, ninguém merece não saber quem é o seu pai, mesmo que o reprodutor não seja um anjo. Mentira tem pernas curtas e as más-línguas irão fuxicar. Portanto, é momento de buscar a razão, que não foi convidada no instante do desespero. Razão é reflexão, e reflexão é mais lenta que emoção, precisa de serenidade. Desespero é emoção, que, por associação, deve ser evitado. E, para não resvalar para o discurso moralista, a chibata moral, que de nada serve nesse instante, o conselho é o seguinte: Sexo é a coisa mais gostosa do mundo, mas fazer menino não tem nada a ver com isso. Haja vista que masturbação não gera coisa alguma e a macacada pratica desde a grande descoberta. Filho é vida, é universo, é criação, tem de ser programado, fruto do amor, que é racional. Quando for fazer sexo para sentir prazer, faça a munganga, não faça menino, ninguém é mais ingênuo como antigamente, não estamos mais na era da cegonha. Use a liberdade, preservando a devida segurança. Afinal, segurança sem liberdade é escravidão, mas liberdade sem segurança é loucura.

Sosígenes Bittencourt

ABESTALHADO COM A VIDA – por Sosígenes Bittencourt.

Desde menino que eu sou abestalhado com a vida. A vida é uma loucura. Vivemos como se não fôssemos apodrecer, solitariamente, um dia. Nutrimos a esperança de sair voando para o céu, em forma de alma, alvos como um capucho de nuvem, para sentar num jardim paradisíaco, onde não há agrotóxico e todas as frutas são doces.

Mas, por que tanto espanto em pensar que tudo isso pode ser verdade? Walt Disney sonhou fazendo um desenho caminhar e o fez. Sobretudo, para deixarem de chamá-lo de doido. Aliás, o próprio animador de desenho resumiu sua façanha: If you can dream it, you can do it – Se você pode sonhar, você pode realizar.

Por que aquilo que pensamos não pode ser verdade? Por que nossas ilusões não podem se concretizar um dia? Afinal, o homem já sonhou voando e inventou o avião. Não satisfeito, porque queria ser um pássaro, montou uma asa delta e foi dar uma voltinha, atirou-se no precipício, com cara de pássaro, fazendo munganga de pássaro.

Melhor estar iludido do que desiludido. A desilusão é a maior dor. A desilusão é uma depressão, como acocorar-se ante o Portal do Inferno de Dante: Lasciate ogni speranza, voi che entrate – Perdei toda esperança, vós que entrais.

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Regulamentação da Prostituição – por Sosígenes Bittencourt.

Prostituição é um tipo de comércio antiquíssimo. Porque quando um quer vender, e o outro quer comprar, só Deus na causa. E não precisa de regulamentação nem diploma. Escritor e prostituta são formados na vida. O escritor põe o cérebro nas páginas da literatura, e a prostituta põe as carnes nas tarimbas do amor. Essa história de regulamentar prostituição é para recolher dinheiro para a Previdência Social e captar a simpatia política das Meninas de Programa. Aposto como vão exigir Exame de Sangue e Título Eleitoral.

Antigamente, quando prostituta nem sonhava em ser gente, era mais profissional. Imitavam, com tanta arte, o amor, que muitas foram resgatadas da difícil vida fácil pela AMIGAÇÃO.

Certa vez, eu perguntei a um morador: – Qual a mulher mais decente de tua rua?

E ele não teve dúvida: – É a aquela mulher que seu fulano tirou da Zona de Baixo Meretrício.

Sosígenes Bittencourt

Felicidade – por Sosígenes Bittencourt.

Um cidadão, aqui na rua, amanheceu botando Roberto Carlos pra tocar. Imagine a música que você quiser do repertório do Rei e o palco do evento. O dia amanhecendo, o céu nublado e os passarinhos alvoroçados e cantantes, saltitando sobre o telhado dos escombros da fábrica de bolacha. E imagine que ainda tem gente esperando a felicidade chegar.

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O Cabaré do meu tempo – por Sosígenes Bittencourt.

Eu estava na mocidade. O cabaré tinha muito o que nos ensinar. Foi no tempo em que um beijo engatava o sentimento amoroso. As prostitutas eram versadas na arte de enganar. Dava-nos a impressão de que nos amavam. Aquelas eram as virtuais prostitutas. Acertavam o Kama Sutra, entre goles de bebidas e boa música, e mereciam ser remuneradas. Remunerá-las era LEI. Ninguém poderia passar “seixo”. “Seixo” seria como praticar um crime, cuja punição era ficar no gelo. Dona Zefinha Menezes punia severamente. Vi-a abanar a mão no focinho de um ladrão, porque não pagara o aluguel do “amor” a uma de suas moradoras. A Zona de Baixo Meretrício dava aula de boa conduta. Requiescat in pace!

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CASO DE NÃO SE CASAR – por Sosígenes Bittencourt.

Por que o senhor não se casou ainda?

– Medo de ter que fazer feira e levar menino

pra parque de diversão.

– Por que o senhor não se casou ainda?

– Porque só caso por amor.

– E o senhor nunca amou?

– Amei.

– E por que não se casou?

– Amei pouco.

– Por que o senhor não se casou ainda?

– Por ouvir conselho de quem se casou.

– Por que o senhor não se casou ainda?

– Porque já estou ficando velho.

– E por que não se casou quando estava novo?

– Era muito novo naquela época.

– Por que o senhor não se casou ainda?

– Por causa das outras.

– Que outras?

– Caso com uma? E as outras?

Sosígenes Bittencourt

Racismo e Imaturidade – por Sosígenes Bittencourt.

O homem é o único animal que sabe que vai morrer. A pomba não sabe, a galinha não sabe. Portanto, o racismo não é uma consequência da diferença entre o branco e o preto. Racismo é falta de maturidade, deficiência no lidar com o ÓDIO. Tanto que, quando alguém é branco e você odeia, chama-o de AMARELO SAFADO, o que dá no mesmo ÓDIO e no mesmo “RACISMO”, se assim quer-se chamar.

Sosígenes Bittencourt

O bom tratamento – por Sosígenes Bittencourt

O ser humano é cativo do bom tratamento.
Há diferença entre VER e OLHAR, OUVIR e ESCUTAR.
Olhar é ver com atenção. Escutar é ouvir com atenção.
Há quem conquiste, mostrando.
Há quem conquiste, olhando.
Há quem conquiste, falando.
Há quem conquiste, escutando.
A paciência é a maior das virtudes,
porque não há virtude sem paciência.

Sosígenes Bittencourt

Gueixa, a sedução pela arte – por Sosígenes Bittencourt.

Engana-se, redondamente, quem acha que a gueixa é uma versão oriental de nossa prostituta. A gueixa lá no Japão, e a prostituta aqui na esquina. Primeiro, porque para ser gueixa é preciso muitos anos de estudo, enquanto para ser prostituta não é preciso nenhum estudo, o que até facilita.

A gueixa é uma profissional que aprende, desde cedo, a milenar arte de seduzir, dançar e cantar, com ritos e indumentária tradicionais. A prostituta é uma profissional do sexo, desregrada, que negocia o corpo, não tendo, por isso, que aprender coisíssima nenhuma.

A gueixa não pode ser desfrutada por um Zé Ninguém, só servindo a políticos, grandes empresários e artistas, porque podem contratar os seus conhecimentos.

A gueixa sabe como desestressar um cidadão, tem de estar ciente da política internacional e não tem que fazer sexo com o seu cliente. A prostituta sabe como estressar um cidadão, não tem obrigação de entender nem de fundo de cozinha e tem de fazer sexo, mesmo que não saiba nem queira absolutamente nada com a vítima.

Enfim, a gueixa é um cicerone da cultura japonesa, tendo obrigação de conhecer o Japão milenar e contemporâneo, enquanto a prostituta é uma representante de nossa cultura mercadológica, segundo a qual tudo na vida tem preço e nenhum valor.

Sosígenes Bittencourt

CONVERSANDO LOROTA – por Sosígenes Bittencourt.

Um dia, eu estava conversando lorota numa roda de mulheres faladeiras quando uma delas se saiu com uma conversa meio fútil, mas interessante ao mesmo tempo. É que eu perguntei por uma menina que conheci, meio namoradeira, moradora do bairro, e a língua de trapo pegou um ar desgraçado. A mulher virou-se numa chibata moral.

Disse que morou vizinha à família da escrachada; que o pai dela tinha uma venda de esquina, dessas de balcão de madeira, que vendia, de caramelo a candeeiro, de aguardente de cabeça a remédio pra dor de barriga, e falava mais do que o homem da cobra.

O defeito do pai da camarada é que batia com o nó dos dedos no balcão da venda e dizia que o dinheiro que tinha, nem Deus acabava. Ora, pelo que a linguaruda sabia, Deus tira a vida do homem, que dirá sua mercadoria. E largava o pau no condenado.

A gente se afastava da faladeira, porque, de tão entusiasmada, saltando de um pé só, uma veia pulada no pescoço, gritava e cuspia que nem uma doida.

Bem… para encurtar a conversa, contou que, de “repentemente”, foram surgindo mercadinhos por todo canto, como se fosse uma praga divina.

Os mercadinhos tinham preço, sortimento na moda, o cliente pegava nas compras com a mão, revirava, cheirava, apalpava e levava numa cestinha para pagar no caixa. Ninguém perdia tempo nem tinha conversa mole: – Muito obrigado, tenha um bom dia!
Quando se perguntava na rua: – Tu ainda estás comprando na venda de seu Fulano? – o interrogado respondia: – Deus me defenda!

Daí, o dono da venda quebrou, a filharada se dispersou, e me sobrou a menina que a faladeira só não a chamou de santa, porque Deus é Pai. Eu namorei com ela, comprei leite de vaca para o menino dela, mas nunca a vi tão avacalhada nem tanto adjetivo ruim como os que aquela marocas lhe imputou. Tem jeito?

Linguarudo abraço!

Sosígenes Bittencourt

Sede ao pote – por Sosígenes Bittencourt.

Eu sei que chocolate faz bem à saúde, sei que contém polifenóis, flavonóides;
que combate os radicais livres, é antioxidante, previne inflamações;
que escavaca as coronárias, descolando-lhes a borra, desentupindo a hidráulica sanguínea;
que enxágua nosso sangue, deixando-o limpinho, fininho, cheirosinho;
sei que auxilia a peristalse intestinal, fazendo a tripa colear que nem uma cobra;
sei até que funciona como antidepressivo, libera feniletilamina, ocitocina, serotonina e dopamina, promovendo alegria e calmaria;
eu sei de tudo da chocolatria, da chocofilia, mas não precisa ir com tanta SEDE AO POTE.

Sosígenes Bittencourt

 

O lado bom da vida – por Sosigenes Bittencourt

Esta é uma das rosas que recebi por e-mail, remetido por dona Conceição Azevedo, leitora do meu blog. Chamada de Rosa da Sinceridade, escolhi como a mais bela. Sincero era Jesus, que agia como pregava. Dona Conceição é apaixonada pelo lado bom da vida. Prova de que podemos ser felizes, sentindo prazer sem culpa e suportando os sofrimentos da existência sem desespero.

Estético abraço!

Sosigenes Bittencourt

Se Deus é por nós, quem pode ser contra nós?

Mas, para tanto, é preciso saber fazer bom uso da VONTADE PERMISSIVA de Deus. Ou seja, Deus nos permite fazer escolhas e arcar com consequências. Por isso, não nos abandonou, dando-nos DISCERNIMENTO para avaliar o BEM e o MAL. Não há controle remoto monitorando nosso destino, o que você é faz a sua história.

Sosígenes Bittencourt

A QUENTURA QUE ESTÁ FAZENDO – por Sosígenes Bittencourt

A quentura que está fazendo não está no termômetro. No meu tempo, dir-se-ia que era a canícula abrasadora; que, no sertão, galinha estava botando ovo cozido, e vaca dando leite em pó. E seria só. Hoje, tem explicação. É o Buraco da Camada de Ozônio, que estão afolozando. Até as crianças já ouviram falar em Gás Carbônico e Efeito Estufa. Rendilharam a peneira do sol. Os raios vêm diretinho na pele, no calçamento, no juízo dos moradores da terra. Isso porque ninguém quer saber de conselho de ecologista, ambientalista, e outros tenebrosos profetas do final dos tempos. Nem querem saber das gerações futuras, embora venham a ser os próprios filhos, seus netos, pessoas que dizem amar. Parecem comungar a frase “Depois de mim, o dilúvio”. Desprezam a natureza em nome de riquezas passageiras, pois o tempo corre célere, e a morte é desprovida de matéria. Sequer se amam, pois poluir o meio ambiente é uma forma de lambuzar-se.
Outro dia, deu uma ventania aqui na cidade tão forte que quase altera a posição do município. Um matuto me contou que suas galinhas foram parar no terreiro do vizinho.

Já deu enchente por aqui de geladeira boiar e aventureiro abrir latinha de cerveja no roldão das águas, entre cobras e lagartos.

O falecido barbeiro Moisés recitava uma quadrinha mesmo assim:

O sertanejo, ao nascer,
Tem seu destino traçado,
Se de sede não morrer,
Por certo morre afogado.

Só relembrando Drummond: Êta vida besta, meu Deus!

Sosígenes Bittencourt