“O homem se comporta como se ele fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ela permanece sendo a senhora do homem”. (Martin Heiddeger).
Numa viagem de trabalho, entre o Recife e Porto Alegre, eu e o saudoso economista pernambucano Zé Amaro Moreira, incógnito, imprevisível, excêntrico, trocávamos ideias no avião sobre um assunto que fazia parte de sua vida: a paixão pelo América Futebol Público, o time que mexia com as emoções do poeta João Cabral de Mello Neto. “Tudo agora é clássico: essa palavra (disse-me ele) tornou-se vulgar, até no futebol”.
Nesta hora, quando ouço a voz do locutor dar notícia de “superclássico” de uma partida de futebol pernambucano, dou razão ao amigo Zé Amaro, recentemente falecido. De que forma vão nominar essa palavra no futuro? Sabe-se que a derivação das palavras, sua pluralidade semântica, o dizer sinonimicamente que se desenovelam, com o seu desenraizamento (questão comum dentro do campo ampliado da cultura), não é um conjunto fechado.
Clássico: essa palavra agora se metamorfoseia, torna-se mundivagante, que significa “vagar” no sentido de “andar sem rumo”.
Um dos objetivos da lógica de Aristóteles era identificar vícios e erros de linguagem e construir argumentos não contraditórios. Diga-se que a geração que está nos sucedendo tenha paixão pelos novos “clássicos”, mas que não perca a luminosa brecha de se voltar para os clássicos do seu idioma, de todas as épocas, de todas as artes e saberes, pois seus sentidos e interpretações tendem ao infinito.
O jornal Valor Econômico acaba de publicar uma reportagem sobre o impacto positivo de um clube de leitura em três grandes indústrias de São Paulo.
Hoje, não falarei dos clássicos da literatura, aqueles já consagrados. Com a morte, eles mataram a morte. Eu tenho os meus, esquecidos. A minha escolha para os pernambucanos não implica em desmerecimento dos que ganharam valor, prestigio e influência de outras gerações. Numa cidade de memória curta, não custa lembra-los.
São eles, de valor incontornável: Pedro Xisto, natural de Limoeiro, desconhecido por completo no Recife. Poeta visual, trabalhou como adido cultural em vários países. Tornou-se um dos mais famosos integrantes do Grupo Concretista (São Paulo), escolhi o “Logogramas” (1966); Janice Japiassú: Canto Amargo (1970). Nesse livro, o leitor sente no ar o soprar dos ventos do sertão. “A viola do diabo”, peça teatral de Ladjane Bandeira, encenada no Recife há 60 anos (1964), publicada em livro no mesmo ano nunca mais foi lembrada. É uma comédia reunindo drama, tragédia, tradição e realismo. “A cidade submersa e outros poemas”, de Edmir Domingues (1972), uma das obras de superlativa beleza estética. Carlos Moreira, “O Município” (Poemas); Jorge Wanderley: Antologia Poética (1999). Tomás Seixas: A casa dos sonâmbulos (1990), misto de romance, biografia e crítica de livros e arte. Interior da matéria, poemas, de Joaquim Cardozo, um livro em cuja edição princeps o poeta dividiu a autoria da obra com Roberto Burle Marx (1975). “Os Anjos e os demônios”, de Joaquim Cardozo e Fayga Ostrower. Edição de arte, belíssima. Tiragem de apenas 300 exemplares.
Marcus Prado – jornalista