BEL. MÁRIO BEZERRA DA SILVA – por Sosígenes Bittencourt.

 

Isso foi no tempo de Coca-Cola à base de noz de cola, acondicionada em garrafa de vidro. Hoje, toma-se xarope gaseificado em ampola de alumínio. Mário Bezerra da Silva me deu uma aula, no primeiro andar, sobre Análise Sintática, que nunca mais esqueci a diferença entre Sujeito e Predicado. Não imito direitinho, com o livro de Português, de José Brasileiro Vilanova, nas mãos, em respeito à alma do insigne diretor.

Vi, muitas vezes, o povo sair da calçada para o bel. Mário Bezerra desfilar de queixo erguido, meio de bandinha, com os sapatos rigorosamente engraxados. O paletó conhecia o caminho, da Rua Horácio de Barros à Praça Leão Coroado.

Mário era perfeccionista, gostava dos pontos nos “ii”, por isso, chegado a uns histerismos quando desobedeciam suas ordens. Contam que Mário só tinha um pulmão, mas quando dava um grito, as colunas do colégio estremeciam.

Não obstante, foi o sujeito que botou moral em colégio, no município. Depois dele, já soube de aluno que urinou, do primeiro andar para o pátio, que nem um Dionísio desvairado, e menino que deu rasteira e puxavante de cabelo em professora de Moral e Cívica.

Sosígenes Bittencourt

ESTUDANDO PORTUGUÊS – por Sosígenes Bittencourt

O h é mudo, são pronúncias semelhantes, mas indica a distinção entre os verbos ouvir e haver. Já a palavra gente é um substantivo coletivo, significando pessoas, mas está no singular, logo o verbo deve concordar, ficando no singular. Exemplo: A gente foi.
Enfim, nem tudo que a gente escuta, aconteceu.

Sosígenes Bittencourt

COLÉGIO NOSSA SENHORA DA GRAÇA – por Sosígenes Bittencourt.

COLÉGIO NOSSA SENHORA DA GRAÇA – NO TEMPO DE EU MENINO

Vi, debruçado no muro da casa de minha avó Celina, minhas primas Semíramis e Semadar caminharem pela calçada do Colégio das Freiras, de saia plissada, empertigadas, objetivas, impecavelmente asseadas, para a conclusão do Curso Ginasial no tempo de eu menino.

Ali, mais tarde, fui professor de Língua Portuguesa, Literatura e Técnica de Redação, a convite da Madre Superiora Dalka Pitanga de Mesquita (Madre Tarcísia), indicado pelo professor de Português Pedro Moura.

Uma calma vagava pelos corredores do convento, que dava vontade de ficar para dormir.

FRAGMENTOS – por Sosígenes Bittencourt.

(O humor de bom humor)
No meu tempo, menino não pitava “cannabis sativa”, não portava arma de fogo nem namorava nu.

Arengar por causa de político, no Brasil,
é mesmo que ter um ataque de ciúme num cabaré.

Vandalismo é ódio desorganizado, é arengar com o vizinho e chutar a cabeça do cachorrinho.

Agiota até no amor, só negocia um beijo por dois.

Sosígenes Bittencourt

A POESIA QUE FLUÍA – por Sosígenes Bittencourt.


Lembro-me de quando viajava para Recife, manhã cedinho,
e retornava à noitinha.
O cheirinho de mato, o vento assanhando meu cabelo, o rosto pálido, olhando para as serras, bois pastorando a estrada.
As árvores pareciam mulheres recurvadas, acenando para a manada humana.
Eu tinha cabelo naquela época, o sangue desintoxicado, sentia frio. Com a cabeça na janela, dedos enclavinhados sob o queixo, ninguém sabia que eu sentia poesia.

Sosígenes Bittencourt

O mês de maio – por Sosígenes Bittencourt.

O mês de Maio sempre foi um mês dedicado à mulher. Mês de Maria, de se celebrar o namoro e o noivado, místico período entre os prazeres da carne e o sacrifício do espírito, o desregramento e a temperança, a fornicação e a castidade. Mês de se respeitar a mãe e desobedecer-lhe.
Recebido com ovação, o Papa veio condenar tudo que é vontade do corpo e seduz o cérebro. Lembra-me O Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, trespassada pela seta de um anjo, magnificamente burilada por Bernini, no século XVI.

Quem danado aguentava, em Vitória de Santo Antão, embora calma, sem os agitos nem a desobediência reinante de hoje, controlar-se, com a popularização da minissaia? De repente, quando não se podia ver um tornozelo, lá estavam os joelhos das meninas do Colégio Municipal e do Colégio das Freiras à mostra. Naquele tempo, o desejo vinha embalado pelas músicas de Roberto Carlos, Renato e seus Blue Caps e The Fevers, o que emoldurava o apetite com uma vaga sensação de amor.

Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, porque a Medicina ainda não mapeara o cérebro e a endocrinologia cabia em algumas folhas de caderno. Mas, só Deus sabe o quanto a enxurrada de hormônios fustigava a pele da adolescência de tanta emoção. Os namoros eram na calçada, fiscalizados, com hora marcada. Cinema, só com acompanhante, geralmente um irmãozinho bobo, comedor de bombom, mas fuxiqueiro, cujo perigo residia em contrariá-lo. Os cinemas eram o calorento Cine Braga e o inesquecível Cine Iracema, espaçoso, onde se podia procurar um lugar mais reservado para beijar.

Todo mundo ficava tomado, neste mês de maio, de uma expectativa de noivado, casamento e maternidade. Festejava-se a mãe, a namorada e se fazia plano para o futuro. Chegávamos a imaginar como seriam nossos filhos. Se pareceria com a mãe ou seria uma escultórica mistura dos olhos de um com o nariz do outro.
Eita, mundo velho!

Sosígenes Bittencourt

ENCANTAMENTO – por Sosígenes Bittencourt.

O homem se encanta com a beleza da mulher. A mulher se encanta com a inteligência do homem. Nisso, a mulher é mais inteligente. O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), embora insuportavelmente feio, tendo sido comparado a uma caixa de rapé ou um minúsculo Buda, dizia que “Ninguém dá a menor importância ao fato de que um escritor célebre seja bonito ou feio.” Ei-lo!

Sosígenes Bittencourt

 

DEFORMA ORTOGRÁFICA – por Sosígenes Bittencourt.


No Dia Internacional da Língua Portuguesa, uma boa chance de meter a língua na Deforma Ortográfica da Língua Portuguesa.
Não me sai do pensamento, a ideia de que “ideia” não tem mais acento.
A Deforma Ortográfica parou com o acento de “para”.
Agora, você para para ouvir uma besteira desta.
A Deforma Ortográfica raspou o acento de “pêlo”.
Agora, o seu cachorrinho espalha pelo pelo caminho.
A Deforma Ortográfica roubou o trema do “u”.
Para que “sequestro” com trema? Fique “tranquilo”, não trema.
A Deforma Ortográfica tirou o hífen do bolo pé-de-moleque.
Agora, você não come bolo, come um pé de moleque.

Sosígenes Bittencourt

ARIANO SUASSUNA ESPERANDO O AVIÃO NO AEROPORTO DE BRASÍLIA – por Sosígenes Bittencourt.

Costumava dizer que não ficava espantado quando um avião caía, só não sabia como ele subia.
A originalidade era um traço característico de um dramaturgo da dimensão de Ariano.
A originalidade é uma forma de felicidade, é você encontrar-se consigo mesmo sem se perder.
Eis, como exemplo, uma de suas mais gritantes manifestações de originalidade:
Não troco o meu “oxente” pelo “ok” de ninguém!

Sosígenes Bittencourt

 

MENSAGEM URBI ET ORBI DO PAPA FRANCISCO SOBRE A PÁSCOA ÀS VÉSPERAS DE SUA MORTE – por Sosígenes Bittencourt.

 


” Do sepulcro vazio de
Jerusalém chega até nós um anúncio sem precedentes: Jesus, o Crucificado, «não está aqui; ressuscitou!» (Lc 24, 6). Não está no túmulo, está vivo! ”
Sem jamais haver repousado, durante todo seu pontificado, Francisco falece, em oração, sob o luzeiro de Esperança e Paz da Ressurreição.

Sosígenes Bittencourt

EU TENHO SÉRIOS POEMAS MENTAIS – por Sosigenes Bittencourt.

Vejo poesia em tudo, por isso ando pelo cantinho da calçada.
A diferença entre os efeitos da poesia e a embriaguez é que o poeta conhece o caminho da volta.
A diferença entre o louco e o que fala sozinho é que o louco repete.
A diferença entre o poeta e quem gosta de poesia é que o poeta fuxica a poesia.
A diferença é que os diferentes são sempre a minoria, e a maioria considera-se normal.
O pintor Salvador Dali dizia: A diferença entre um louco e eu é que eu não sou louco.
Contudo, só há algo igual entre os homens: todos são diferentes.

Sosigenes Bittencourt

O HUMOR DE BOM HUMOR (Talco Johnson) – por Sosígenes Bittencourt.

Isso foi no tempo que se atacava fralda com broche. Depois, lavava-se a fralda com Sabão Jabacó, pendurava no arame e passava a ferro de carvão.

Uma vez, um professor exigente sentou-se num restaurante pertinho da Mesbla, em Recife, e pediu uma Brahma Chopp, estupidamente gelada, e dois ovos cozidos. A garçonete, recém-contratada, querendo mostrar bom atendimento, logo perguntou: – O senhor usa sal nos ovos?

Aí, o professor, insuportavelmente, caxias, implicou: – Não, garota, uso Talco Johnson.
O castigo pelo desaforo foi ter que deglutir os ovos sem sal e perder a garçonete de vista.

Sosígenes Bittencourt

NO TEMPO DE EU MENINO (Lancheira) – por Sosígenes Bittencourt.

Isso foi no tempo da lancheira. Se levássemos pão com banana e uma garrafinha d’água, o pão era de trigo sem bromato de potássio, a banana sem agrotóxico, e a água, potável. Manteiga Turvo era comida de luxo. Ovo de galinha séria e leite de vaca decente. Nunca mais eu vi um maracujá-açu nem uma laranja-de-umbigo.

Antigamente, um pão com manteiga satisfazia; hoje, come-se um boi, e a barriga vazia. Havia paz, havia digestão, as horas eram silenciosas, as tardes calmas. e o corpo nutria-se da alma.

A minha memória olfativa pode reproduzir o cheiro dessa lancheira. A lancheira não tinha pilha, não falava nem acendia uma luzinha. Nós é que a iluminávamos com nossa poesia. Isso foi no tempo que menino brincava com o brinquedo, não via o brinquedo brincar.

Reminiscente abraço!

Sosígenes Bittencourt