ESTUDADO PORTUGUÊS – por Sosígenes Bittencourt

(O verbo “SUICIDAR-SE” é um PLEONASMO?)

O verbo “suicidar-se” vem do latim sui (“a si” = pronome reflexivo) + cida (= que mata). Isso significa que “suicidar” já é “matar a si mesmo”. Dispensaria, dessa forma, a repetição causada pelo uso do pronome reflexivo “SE”. Ou seja, “ele suicidou” em vez de “ele SE suicidou”.

É importante lembrar que as palavras terminadas pelo elemento latino “cida” apresentam essa ideia de “matar”:
formicida – que mata formiga;
inseticida – que mata inseto;
homicida – que mata homem.

Voltando ao verbo “suicidar-se”, se observarmos o uso contemporâneo deste verbo, não restará dúvida: ninguém diz “ele suicida” ou “eles suicidaram”. O uso do pronome reflexivo “se” junto ao verbo está mais que consagrado em nosso idioma. É, na verdade, um PLEONASMO IRREVERSÍVEL.

Numa história que é contada pelo grande ator, compositor, escritor e poeta Mário Lago, do seu livro 16 Linhas Gravadas, entre outras histórias, encontra-se a do professor de Português que se mata ao descobrir a traição de sua amada esposa Adélia. Deixou escrito na sua mensagem de despedida: “ADÉLIA SUICIDOU-ME”.

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SOBRE AVAREZA E ESBANJAMENTO – por Sosígenes Bittencourt.

O escritor e professor português Vergílio António Ferreira  (1916 – 1996) dizia que “A avareza pode ser uma expressão de humildade, como o esbanjamento o é de megalomania.”

No contexto bíblico, Esbanjamento não está catalogado como Pecado, mas a Avareza, sim. Contudo, se o esbanjamento, assim como a avareza, despreza Deus, em nome do dinheiro, da vida mundana, dos bens materiais, ambos são pecados graves, porque o semelhante deixa de ser amado, passando a ser desprezado. Ademais, Megalomania, Esbanjamento podem ser manifestações de Vaidade, e a Vaidade é pecado Capital.

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CRISTO E MALUF – por Sosígenes Bittencourt.

História engraçada conta o jornalista pernambucano Aldo Paes Barreto, em seu livro Causos & Casos, que acontecera em Nova Jerusalém.

Durante um espetáculo, em plena Campanha pela Presidência, Paulo Maluf está na plateia. No palco, braços abertos, Pilatos indaga a multidão diante do Palácio do representante romano:

– Povo de Jerusalém, não quero ser culpado pelo sangue de um inocente. Vós julgueis. O poder romano permite que eu solte um dos acusados. Solto Cristo ou Barrabás?
No meio da plateia, uma voz soou mais alto:

– Solta os dois e prende Maluf.

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O coração que ri – por Sosígenes Bittencourt

O sofrimento é um prolongamento da dor, ele sobrevive à dor. Sofrimento é deixar de agradecer pelo amor recebido e resmungar pelo amor que deixou de receber.

Pessoas que amam a vida são pessoas que agradecem e, por isso, são pessoas calmas. A calma promove harmonia, porque a calma organiza a vida. E um dos benefícios dessa postura diante da vida é fundar no convívio a esperança.

O coração que ri não dá asas ao sofrimento porque palpita desesperança.

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ABESTALHADO COM A VIDA – por Sosígenes Bittencourt

Desde menino que eu sou abestalhado com a vida. A vida é uma loucura. Vivemos como se não fôssemos apodrecer, solitariamente, um dia. Nutrimos a esperança de sair voando para o céu, em forma de alma, alvos como um capucho de nuvem, para sentar num jardim paradisíaco, onde não há agrotóxico e todas as frutas são doces.

Mas, por que tanto espanto em pensar que tudo isso pode ser verdade? Walt Disney sonhou fazendo um desenho caminhar e o fez. Sobretudo, para deixarem de chamá-lo de doido. Aliás, o próprio animador de desenho resumiu sua façanha: If you can dream it, you can do it – Se você pode sonhar, você pode realizar.

Por que aquilo que pensamos não pode ser verdade? Por que nossas ilusões não podem se concretizar um dia? Afinal, o homem já sonhou voando e inventou o avião. Não satisfeito, porque queria ser um pássaro, montou uma asa delta e foi dar uma voltinha, atirou-se no precipício, com cara de pássaro, fazendo munganga de pássaro.

Melhor estar iludido do que desiludido. A desilusão é a maior dor. A desilusão é uma depressão, como acocorar-se ante o Portal do Inferno de Dante: Lasciate ogni speranza, voi che entrate – Perdei toda esperança, vós que entrais.

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SOBRE A BREVIDADE DA VIDA – por Sosígenes Bittencourt.

O ser humano é um animal sem solução. Ele tem sempre a impressão de que há algo de errado consigo mesmo. Sobretudo quando submetido à angústia de que a morte é o horizonte da vida.

Todo ser humano tem um livro escrito na memória que vai folheando, folheando… Às vezes, desprende um aroma. É o passado intrometendo-se na vida da gente, o passado sempre presente. O passado que se alonga, e o futuro que vai se tornando cada vez mais curto.

A brevidade da vida relembra o poeta romano Horácio (65 – 8 a.C.), agoniado com a fugacidade do tempo: Eheu! fugaces labuntur anni!: Ai de nós! os anos correm céleres.

Tudo que nos mantém vivos, nos mata. Sem o oxigênio, morreríamos; por causa do oxigênio, morreremos. Sem colesterol, morreríamos; por causa do colesterol, morreremos. Se não comêssemos, morreríamos; porque comemos, morreremos. Tudo que nos faz viver corrói a vida. Tudo que auxilia na vida, auxilia na morte.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) referiu-se ao tempo de vida: Um minuto de vida é idade suficiente para morrer.

Efêmero abraço!

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Hábitos do Primeiro Mundo no Imundo – por Sosígenes Bittencourt.

No Rio de Janeiro, atirar uma bituca de cigarro no meio da rua pode gerar multa. Basta o esquadrão da Guarda Municipal flagrar. Esse expediente é imitação do Primeiro Mundo, implantado no Imundo. E tem detalhe: se o sujismundo se negar a oferecer o número do CPF para o registro da ocorrência e a cobrança da multa, pode ser rebocado, delicadamente, a uma Delegacia. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Pois, se enterrar os pés ou se meter a besta, poderá até levar umas cipoadas na coluna vertebral.

Os antigos diziam que “quem não aprende em casa, Mestre Mundo ensina”.

Aqui, em Vitória de Santo Antão, eu apanhei uma bolinha de guardanapo, dentro da padaria, e joguei na lixeira, a garçonete me perguntou se eu era funcionário da padaria. Uma outra moradora me disse que “quando um homem era muito educado, ela pensava que ele queria enganá-la ou era veado.”

Se todos varressem a frente de suas casas, o mundo amanheceria limpo. No Japão, as crianças nem cospem no chão. Tudo questão de educação doméstica e perfeita sintonia entre a escola e a família.

Poluir o Meio Ambiente é uma forma de LAMBUZAR-SE. Quem suja, não só desrespeita o seu semelhante, mas revela baixa autoestima. Um ambiente desorganizado reflete uma desarrumação interior. É preciso fazer boa leitura do comportamento para chegar à causa do efeito.

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No tempo de eu menino – Mês de Maio – Sosígenes Bittencourt

O mês de Maio sempre foi um mês dedicado à mulher. Mês de Maria, de se celebrar o namoro e o noivado, místico período entre os prazeres da carne e o sacrifício do espírito, o desregramento e a temperança, a fornicação e a castidade. Mês de se respeitar a mãe e desobedecer-lhe. Recebido com ovação, o Papa veio condenar tudo que é vontade do corpo e seduz o cérebro. Lembra-me O Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, trespassada pela seta de um anjo, magnificamente burilada por Bernini, no século XVI.

Quem danado aguentava, em Vitória de Santo Antão, embora calma, sem o agito nem a desobediência reinante de hoje, controlar-se, com a popularização da minissaia? De repente, quando não se podia ver um tornozelo, lá estavam os joelhos das meninas do Colégio Municipal e do Colégio das Freiras à mostra. Naquele tempo, o desejo vinha embalado pelas músicas de Roberto Carlos, Renato e seus Blue Caps e The Fevers, o que emoldurava o apetite com uma vaga sensação de amor. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, porque a Medicina ainda não mapeara o cérebro e a endocrinologia cabia em algumas folhas de caderno. Mas, só Deus sabe o quanto a enxurrada de hormônios fustigava a pele da adolescência de tanta emoção. Os namoros eram na calçada, fiscalizados, com hora marcada. Cinema, só com acompanhante, geralmente um irmãozinho bobo, comedor de bombom, mas fuxiqueiro, cujo perigo residia em contrariá-lo. Os cinemas eram o calorento Cine Braga e o inesquecível Cine Iracema, espaçoso, onde se podia procurar um lugar mais reservado para beijar. Todo mundo ficava tomado, neste mês de maio, de uma expectativa de noivado, casamento e maternidade. Festejava-se a mãe, a namorada e se fazia plano para o futuro. Chegávamos a imaginar como seriam nossos filhos. Se pareceria com a mãe ou seria uma escultórica mistura dos olhos de um com o nariz do outro. Eita, mundo velho!

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O CATADOR DE LIXO – por Sosígenes Bittencourt

Na frente de minha casa, um catador de lixo, degradado, cata comida entre sacos de plástico biodegradável.

Porém, nada ensaca sem cheirar, amolegar ou chupar o dedo. Muito cuidadoso, vai separando o que julga comestível entre os detritos orgânicos em putrefação.

Olha para um lado, para o outro, como se temesse ser expulso de sua refeição por algum burguês metido a brabo.

De repente, todo espantado, é convidado por uma vizinha ao lado, que, generosamente, oferece-lhe pão limpinho em saquinhodegradável. Ele sorri, atravessa a rua e o recebe. Mas, devido à situação, retorna à degradante catação.

Depois, se cata e some em meio à poluição.

Degradado abraço!

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DEMOCRACIA E VOCÊ – por Sosígenes Bittencourt

No dia da eleição, preste atenção. Não vá com ânsia ao período de vacância. Das 8 às 17h, ninguém manda no poder, ninguém governa, quem ocupa o poder é você. Não espere que a Justiça julgue os políticos, julgue-o, você.

O poder de absolver ou condenar um político foi concedido a você. O seu voto será martelo, será juiz. O seu voto fará justiça sem que ninguém possa julgar você. Quem educa político e postulante a cargo eletivo é você.

Democrático abraço!

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A vida e o artista – por Sosígenes Bittencourt.

A vida é um espetáculo sem revisão, é acontecendo. É o gerúndio que nos oferece a sensação da vida presente, a sensação de duração: nascendo, vivendo, morrendo. Estar vivo é como não ter mais jeito, o jeito que tem é viver.

O artista é um sonhador que tem a coragem de fuxicar os seus sonhos. Sobretudo, uma técnica de revelar os seus sonhos. Às vezes, com uma caneta, com um pincel, uma requinta, um cinzel.

Quando a beleza passa na frente do poeta, o resultado é poesia.

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Solidões – por Sosígenes Bittencourt 

Uma mulher: – Professor, eu estou pensando em passar um tempo sozinha.

Eu: – Posso saber o motivo, madame?

A mulher: – Depois da última decepção que eu tive, eu pretendo passar dois anos sem querer ninguém.

Eu: – Coincidência. Eu também estou pensando em passar uns dois anos na solidão.

A mulher: – Eu sempre me senti solitária.

Eu: – Se você está solitária, eu estou namorando a solidão.

A mulher: – É como se a gente não valesse nada.

Eu: – Façamos o seguinte: vamos passar dois anos na solidão, eu e você? Ninguém bole com ninguém.

A mulher: – Mas, isso não vai dar certo, professor. Eu sou muito fácil de gostar.

Eu: – Talvez, aconteça o que dizia o escritor alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926): Amor são duas solidões que se protegem.

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O coração que ri – por Sosígenes Bittencourt

O sofrimento é um prolongamento da dor, ele sobrevive à dor. Sofrimento é deixar de agradecer pelo amor recebido e resmungar pelo amor que deixou de receber.

Pessoas que amam a vida são pessoas que agradecem e, por isso, são pessoas calmas. A calma promove harmonia, porque a calma organiza a vida. E um dos benefícios dessa postura diante da vida é fundar no convívio a esperança.

O coração que ri não dá asas ao sofrimento porque palpita desesperança.

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NO BAR DA COCHEIRA – por Sosígenes Bittencourt

O Bar da Cocheira fica como quem vai para o Matadouro. É uma casa de família. O barzinho é um fundo de quintal, de dona Léo de Zé Pedreiro. Quando bate a tardinha, sobe aquele aroma adocicado de chiqueiro de porco, relembrando a década de sessenta. Zé Pedreiro não diz nadinha, pai das meninas, de mulheres diferentes, todas contentes. A mais velha deve ser Maria de Nazaré, loirinha, meio sofrida por uma paixão que se acabou. Na televisão, toca até Zezo dos Teclados, com aquela gemedeira romântica que faz a mulherada querer beijar na boca. Tem dobradinha, quiabada, sarapatel, tripinha de “pôico”, tudo no estrinque. Chega dá vontade de tomar uma lapada de cachaça e passar a boca na manga da camisa. Todo ser humano tem um maloqueiro dentro do peito. Sobretudo se nasceu no interior, no tempo que fazer sexo era pecado e urinar na rua era falta de educação. Deus me defenda! No tempo que mulher da vida chamava-se rapariga e tinha mais vergonha na cara do que a geração de Malhação. Morreram quase todas. Outro dia, eu vi Maria Guarda-Roupa.

O Bar de dona Léo fica lá na esquina, como quem vai para o Matadouro. As meninas descem da Faculdade e vão beber cerveja. Tem até estudante de Pedagogia. Umas meninas sabidas, falantes, de batom, cabelo na escova e sandália de dedinho. Se não fosse isso, a vida seria muito chata.

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MANGA COM SAL? – por Sosígenes Bittencourt

Como eu fui criado chupando manga SEM SAL, nunca me acostumei com essa modalidade de chupada, essa aventura estomacal. E ainda há quem lambuze a fruta na laminha do sal com vinagre.
Na feira, a primeira pergunta era a seguinte: – Essa manga é docinha?
Aí, o matuto: – É um favo de mel, freguês.
Aprendi que SAL só serve para matar micróbio, dar gosto na comida e subir a pressão arterial. 
Comida insossa é um dos maiores castigos impostos à velhice. Assim como a privação do açúcar para os diabéticos. Não poder chupar uma manga rosa madurinha é terrível para quem sofre de HIPOINSULINISMO. Não poder passar a mandíbula num bago de jaca dura deve ser uma tortura.

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GRATIDÃO E REMORSO – por Sosígenes Bittencourt.

Muitas vezes, é preciso perder os pais, para refletir sobre sentimentos.

O sentimento predominante, na perda dos pais, não é de GRATIDÃO, e, sim, de REMORSO, não é a gratidão pelo que nos fizeram, mas o remorso pelo que deixamos de fazer.

Filhos devem frutificar sob a redoma protetora do amor, embora não sejam gerados para amar seus pais. O amor filial independe, pois há filhos desprezados e maltratados que nunca desrespeitaram seus pais. Agora, o luto é mediador na relação familiar, é mais eloquente do que as festas, porque desperta reflexões profundas, advindas de sentimentos profundos. Pode dobrar a cerviz do ingrato, despertar-lhe, tardiamente, a misericórdia. É preciso crer na advertência, em Êxodo 20:12, “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias, na terra, que o SENHOR, teu Deus, te dá.”

Sosígenes Bittencourt