É curiosa a maneira como uma sociedade cria seus elementos de identidade: Quem escreveu nossos hinos? Quem desenhou nossas bandeiras? Quem inventou nossas festas? Quem nomeou nossa cidade? E qual a razão dessas escolhas? Estes elementos dizem um pouco como nós somos e como procuramos nos reconhecer.
Este mês, duas notícias revelaram que a aguardente pode ser o mais importante símbolo de identidade de Vitória de Santo Antão. A primeira foi a aprovação pela Comissão de Legislação e Justiça da ALEPE, do projeto de lei do deputado Joaquim Lira que confere a nossa cidade o título de “capital pernambucana da aguardente” (Projeto de Lei Ordinária 425/2015); já a segunda, trata do projeto de lei municipal 046/2015, de autoria do vereador Geraldo Filho, que cria o “dia municipal da cachaça” (28 de maio, dia da fundação do engarrafamento PITU).
Certamente, Vitória de Santo Antão teve por muito tempo teve sua vida produtiva ligada à indústria sucroalcooleira, que movimentou fortemente nossa economia durante o século XVIII e XIX (produzindo, inclusive, conhecidas aguardentes como Pitú, Serra Grande e etc.). O famoso livro de José Aragão (que narra a história da cidade), conta que os engenhos não eram tão grandes e dispunham de pouca tecnologia em relação a outras cidades, predominando em Vitória as chamadas engenhocas. Mas aqui não herdamos somente a cultura produtiva, mas também os chefes vitorienses foram coroados aqui pela sua posição privilegiada de “senhores de engenho”, o que permitiu o surgimento de nossas oligarquias e o nascimento dos nossos chamados “coronéis” políticos.
Resumindo, nas palavras de José Aragão: “a cidade da Vitória nasceu pobre e pobremente cresceu, porque sua população vivia do pequeno comércio de produtos agrícolas, provindo do campo sua principal indústria, a aguardente.” Ou seja, a nossa matriz produtiva também fomentou nossa desigualdade e manteve oligarquias no poder.
Decididamente, a cachaça poderia não ser nosso maior elemento de identidade, já que há outros acontecimentos significativos em nossa história: sediamos um dos primeiros movimento por reforma agrária da américa latina, “as ligas camponesas”; demos morada a um dos maiores escritores contemporâneos, Osman Lins (comparável em qualidade de literatura a Machado de Assis e Guimarães Rosa); temos um significativo acervo de imagens, fotografias e vídeos (talvez sem paralelo no interior do estado), muito em decorrência do trabalho do poeta Dilson Lira. Mas, como dizia Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Se nossos representantes querem nos chamar de capital da aguardente e erigir o nosso dia municipal da cachaça, é porque a população de algum modo se reconhece desse jeito. É como se diz por aí: eu vivo na “terra da Pitú”.
Ainda assim, não custa nada sonhar um pouco. Estava essa semana na FAINTIVISA, assistindo a apresentação do Coletivo Galileia, quando me ocorreu que não necessariamente deveríamos recalcar nosso passado, mas podemos trazê-lo à luz, transformá-lo e nos fazer protagonistas de nossa própria história. “São as luzes”, diziam nossos heróis, “de um passado vivido por Santo Antão”. Não devemos assistir sentados os capítulos que encerram nossas próximas décadas.
