MÊS DE MAIO – NO TEMPO DE EU MENINO

O mês de Maio sempre foi um mês dedicado à mulher. Mês de Maria, de se celebrar o namoro e o noivado, místico período entre os prazeres da carne e o sacrifício do espírito, o desregramento e a temperança, a fornicação e a castidade. Mês de se respeitar a mãe e desobedecer-lhe. Recebido com ovação, o Papa veio condenar tudo que é vontade do corpo e seduz o cérebro. Lembra-me O Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, trespassada pela seta de um anjo, magnificamente burilada por Bernini, no século XVI.

Quem danado agüentava, em Vitória de Santo Antão, embora calma, sem os agitos nem a desobediência reinante de hoje, controlar-se, com a popularização da minissaia? De repente, quando não se podia ver um tornozelo, lá estavam os joelhos das meninas do Colégio Municipal e do Colégio das Freiras à mostra. Naquele tempo, o desejo vinha embalado pelas músicas de Roberto Carlos, Renato e seus Blue Caps e The Fevers, o que emoldurava o apetite com uma vaga sensação de amor. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, porque a Medicina ainda não mapeara o cérebro e a endocrinologia cabia em algumas folhas de caderno. Mas, só Deus sabe o quanto a enxurrada de hormônios fustigava a pele da adolescência de tanta emoção. Os namoros eram na calçada, fiscalizados, com hora marcada. Cinema, só com acompanhante, geralmente um irmãozinho bobo, comedor de bombom, mas fuxiqueiro, cujo perigo residia em contrariá-lo. Os cinemas eram o calorento Cine Braga e o inesquecível Cine Iracema, espaçoso, onde se podia procurar um lugar mais reservado para beijar. Todo mundo ficava tomado, neste mês de maio, de uma expectativa de noivado, casamento e maternidade. Festejava-se a mãe, a namorada e se fazia plano para o futuro. Chegávamos a imaginar como seriam nossos filhos. Se pareceria com a mãe ou seria uma escultórica mistura dos olhos de um com o nariz do outro. Eita, mundo velho!

Sosígenes Bittencourt

O TAL DO BOLSA-FAMÍLIA

Duas mulheres revelaram, esta semana, que jamais apoiariam o impeachment de Dilma, pois recebiam Bolsa-Família. Uma delas, inclusive, salientou que votou em Dilma com medo de Marina Silva, porque Marina ameaçou cortar o benefício.

Indagada se ela conseguiria sobreviver com o Bolsa-Família, responderam que “não”, mas que, sem ele, seria pior.

Ora, nenhum cidadão de vocação judaico-cristã seria contra qualquer benefício financeiro concedido, pelo governo, ao povo. Contudo, os beneficiados pelo Bolsa-Família não compreendem que o auxílio é um anzol para pescaria de voto e não avaliam os malefícios causados pelo desmoronamento dos serviços públicos.

O nível de percepção de nosso povo é muito prejudicado pela falta de educação. Daí, muitos, esquecerem a dignificação do trabalho e se agarrarem ao Bolsa-Família como último galho ressequido em meio a uma inundação.

Esta observação, não obstante, não incrimina unicamente Dilma Roussef, mas todos que procederam ou procedem desta forma. Por exemplo, se Michel Temer e Aécio Neves estão de tal forma animados com o impeachment de dona Dilma, por que não cortam os benefícios que julgam eleitoreiros e mantenedores da miséria e anunciam investir em Educação, Segurança e Saúde, para enfrentar as urnas como cidadãos que dignamente resgataram o povo dos crimes cometidos pelo PT? Fica a indagação.

Sosígenes Bittencourt

DIA DAS MÃES

Hoje é dia das mães.
Ontem foi dia das mães.
Amanhã será dia das mães.
Todo dia, todo tempo é dia das mães.
Enquanto houver uma pulsação de amor,
onde houver o ato da fecundação
será momento de se comemorar a vida.
Hoje é dia da vida, é dia do mundo. 
Não foi em vão que já se chamou a natureza
de Mãe Natureza.
Hoje é dia do instinto,
do misterioso impulso para a multiplicação,
de toda forma de vida,
dos micro-organismos, de todos os animais, dos vegetais.
Hoje é dia das mães.
Hoje é dia da vida.
Hoje é dia de Deus.

Sosígenes Bittencourt

RECEITA PARA ENCANTAR MÃE SOLTEIRA

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Um dia, eu conheci uma morena amamentando uma menininha. Era uma moça pobre, com cara de indígena, os olhos amendoados, o cabelo derramando-se em volta do rosto, rolando pelo pescoço. Era todinha uma índia, os seios sacolejando por trás da blusa, desprovidos de corpete. Eu só me lembrava dos irmãos Villas-Boas, dos acessos de malária, cara pintada, milho e mandioca.

Todavia, para conquistar mãe solteira, é preciso um certo talento, um certo jeito e muita paciência. Eu via aquela menininha que parecia uma indiazinha, nos braços daquela morena avermelhada, sugando-lhe as tetas com tanta ternura; ela, calada, olhando para dentro de si mesma. Ficava meio enxerido, querendo participar daquilo que não me pertencia.

Foi, foi, foi, um dia, devagarinho, movido pela ajuda, todo cuidadoso, peguei a menininha nos braços. A menininha pousou o cocãozinho no meu ombro, toda vazia da figura paterna, deu um suspiro e adormeceu. Juro que senti vontade de chorar, mas a alegria conteve minha lamúria. Fiquei todo invocado, parecendo que havia recebido um presente. Os olhos da moça brilharam, as escleróticas se umedeceram.
Aí, eu fui pegando gosto, botando a menininha no meu coração. Quando você bota filho de mãe solteira no coração, ela começa a se aproximar do seu coração. De sorte que, toda vez que a moça via a menininha aconchegada, começava a sentir frio. Estava criada a melhor receita para conquistar mãe solteira.
Sosígenes Bittencourt

MENTIRAS ESPETACULARES

A minha geração sempre foi alvo de duas mentiras espetaculares: O Brasil é o país do futuro, e o mundo vai se acabar. O “futuro” seria a “prosperidade”, e o mundo iria ser engolido por uma coivara de fogo, ou inundado por um gigantesco maremoto. O futuro não chegou, o mundo não se acabou, e a gente se acabando.

Sosígenes Bittencourt 

CONVERSA COM ELEITORA

Quando eu vejo essa arenga para botar Dilma para fora da Presidência da República, cuja raiva e ambição parecem comprometer a boa intenção, eu só me lembro de uma eleitora que me disse que nunca mais votaria em ninguém.

Indagada por que, respondeu: – Eu nunca acertei um voto. Toda vez que votei, votei errado. Porque nenhum candidato que ganhou, prestou, e todos que perderam não prestavam.

Facultativo Abraço!

Sosígenes Bittencourt

NO DIA DO TRABALHO


No Dia do Trabalho, um casal amanhece se beijando.
Inútil lembrar-lhes o cotidiano. 
Sôfregos, se abraçam, se beijando. 
O Brasil deve ser o país 
onde mais se beija no mundo. 
Falta-se ao trabalho para se beijar. 
Vai-se ao trabalho para se beijar. 
Beija-se ao pingo do sol, no deserto, à beira-mar, 
assim haja quem se preste para beijar. 
Beija-se até sem beijar, mergulhado em sonho, 
de tanto esperar.

No Dia do Trabalho, um casal amanhece se beijando. 
O sol doura o horizonte, aureolado de nuvens, 
o aroma é de mato, de terra, de rio, 
como sói acontecer no Brasil. 
O palco, talvez, sugerisse uma peça musical 
à la Villa-Lobos, eivada de tantos arroubos.

No Dia do Trabalho, não cabe desengano, 
no espaço que estreita o casal 
que amanhece se beijando.

Sosígenes Bittencourt

MORTE DE JOSÉ MARQUES DE SENA

Hoje, tem recepção lá no céu. Desencarnou José Marques de Sena. Parece que estou vendo. São os meninos do Clube dos Motoristas O Cisne vendo Zé Marques chegar à Eternidade. Euclides Nery de Oliveira, Moab Pacheco Henriques, Jodalvo Sampaio Couto, Javan Ageu de Lima, Sitonho do Posto, Zeca de Abelardo, Braz do Trânsito e Henrique Rodrigues de Lima. Claro que não é dia de tristeza. O frevo é Garota de Amarelo e Preto, de José Marques de Sena, com direito a assobio de requinta, elixir canavial com guisado de bode, chuva de confete e bailado de serpentina. Vem um Pierrot e faz uma delicadeza para Colombina.

O poeta norte-americano Walt Whitman dizia que “morrer não é tão triste como se imagina e até mais feliz.”

Até mais tarde, Zé Marques. Agora, és detentor de um segredo só a ti revelado. Tu foste como nós somos e amanhã seremos como tu és.

Segue-se o mistério profundo, nunca mais retornarás a este mundo.

Requiescat in Pace!

Sosígenes Bittencourt

ROMEU E JULIETA – PAIXÃO DE CURTA DURAÇÃO


Romeu e Julieta se apaixonaram no domingo à noite, se casaram na terça-feira, mantiveram uma relação sexual e se mataram na quinta-feira de manhã. Não deu tempo para saber se foi amor. Mas, deu para saber que foi uma paixão. A tragédia foi a comprovação.

Romeu Montecchio foi ver Rosaline, na festa da família Capuleto, inimigos históricos de sua família. Por isso, penetrou disfarçado. Quando viu Julieta Capuleto, parecia nunca ter visto Rosaline. Eis o início da tragédia Shakespeariana.

Sosígenes Bittencourt

O AZAR DE SHOKO E O FIM DO MUNDO


Desde que vim ao mundo que eu ouço dizer que o mundo vai se acabar, e eu me acabando.

Um dos profetas do fim do mundo chama-se Shoko Asahara, um cidadão condenado à Pena de Morte, no Japão, mais parecido com um truculento assassino do que um profeta divino. Azar de Shoko, que o mundo não acaba no mal desejado, e ele termina assassinado.

Shoko diz que o mundo irá se acabar numa Terceira Guerra Mundial. Ou seja, Asahara vive azarando o mundo. Esquece-se de que já estamos em guerra desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Porém, apressado para comprovar seu desejo, espalhou um gás tóxico num metrô, em Tóquio, em março de 1995, que matou 13 pessoas, deixando outras centenas marcadas para o resto dos dias.

Meio doido, Shoko chocou o mundo ao revelar-se a mistura de Jesus e Buda, simultaneamente, numa salada em que envolve um representante de uma religião teológica e um ícone de uma religião sapiencial.

No mundo, ninguém aceita a seita de Shoko, a Aum Shinrikyo, chamada Verdade Suprema, por causa de sua maldade extrema.

Apesar de pensarem que a seita de Shoko havia murchado no Japão, ela infla-se agora na Rússia e em Montenegro, aterrorizando novamente o mundo.

No mundo, há muitos “shokos” desejando o fim do mundo. Mas, só não acabam com o mundo porque o mundo não deixa.

Desde que vim ao mundo que eu ouço dizer que o mundo vai se acabar, e eu me acabando.

Escatológico abraço!

Sosígenes Bittencourt

A TAL DA CHIKUNGUNYA OU CA-TOLO-TOLO


Quem contraiu a tal da Chikungunya sabe o que é bom pra tosse. Outro dia, o meu irmão me contou que, se quiser chorar, pode chorar, porque motivo tem de sobra.
O arbovírus viaja na barriga do aedes aegypti e é inoculado no sangue dos humanos através da picadura da fêmea, a Odiosa do Egito. É mole? Não se sabe como danado esse maléfico veio bater aqui, instalando-se desde 2010, imigrando da África e da Ásia, enguiçando o mundaréu d’água dos Oceanos.

Diz que o período de incubação é de 4 a 7 dias, mas os sintomas podem durar 1 ano. Ela ataca as articulações e é inimiga da escrita, deixando a vítima sem poder assinar o nome. Dói até a fisionomia retratada na parede. 
O primeiro surto da infeliz deu-se em 1953, lá na Tanzânia. O significado de Chikungunya é semelhante ao que faz a indesejada com o indivíduo que a contrai: “ficar envergado ou contorcido”. E pode ser chamada, também, de ca-tolo-tolo, como se fizesse o ser humano de idiota. Catolotolo quer dizer “todo alquebrado”. 

Esse vetor de doenças perigosas é mesmo uma espécie de “praga do Egito”. Outro dia, eu vi um infectologista, com a cara na televisão, dizendo que lá no norte do Brasil, há mais duas doenças que ele pode transmitir e espalhar centro-oeste abaixo: Mayaro e Oropouche. Tem jeito? É mais aprendizado e sofrimento. Valha-nos, Deus!

Desinfectado abraço!

Sosígenes Bittencourt

DESABAFO


Às vezes, é preciso dar uma de doido para perceberem que você é normal. É a única forma de manter o equilíbrio, ser você mesmo, ser original, deixar de se sentir um quadrúpede numa manada que só faz o que determinam, só diz o que querem ouvir. 
Às vezes, ser sinceramente louco é a única forma de preservar a saúde mental em meio a uma sociedade padronizadamente doente.

Falar a verdade sempre foi minha salvação e minha danação.
Sincero abraço!

ENTREVISTADO NA RUA


Andando pela rua, acenderam uma câmera no meu rosto, me fazendo empunhar um microfone para responder a algumas perguntas.

O entrevistador: – Professor, o que o senhor acha dos aluguéis na cidade. O comerciante não pode pagar e aí fica sem poder manter o seu negócio.

Eu: – Vamos começar pela Recessão Técnica de que falam os economistas. A indústria desemprega porque o comércio não está podendo comprar porque não está vendendo. Consequência: desemprego. Aí, a indústria desemprega e o comércio também. Desempregado não compra. Este círculo é concêntrico e difícil de reverter, a tendência é crescer.

O entrevistador: – Mas, é por causa da crise?

Eu: – Olha, crise não é mudança, é desadaptação a mudança. O Brasil sempre foi governado por políticos, quando precisava ser governado por um estadista. Porque o estadista pensa no futuro da nação, e o político pensa na próxima eleição. Então, falta prevenção, o Brasil nunca foi governado para receber o futuro, mantendo-se eternamente desadaptado às mudanças. Esse Brasil de hoje, teria que ter sido pensado há 50 anos.

Mas, voltemos à pergunta inicial. Aluguel, quem faz o preço é o dono, e quem paga, ou não, é o pretendente ou inquilino. Quem manda na Economia são o capitalista e o consumidor. Se você tem uma montanha de tomate e quer vender pelos olhos da cara, só quem pode fazer você baixar de preço é o consumidor. Como? Não comprando o seu tomate. Economia é a coisa mais volátil do mundo. Ninguém é capaz, de fora, de regular a economia. Ninguém dá ordem. Ela se auto(r)regula. (Olho na Reforma Ortográfica).

Quando o Político namora a Economia, o resultado é Corrupção. O capitalista banca a candidatura para poder sonegar imposto, usufruir de benesses fiscais. Aí, o político pega o apoio financeiro do capitalista e compra o voto do consumidor. Depois, o consumidor fica sem saber por que não tem direito a Saúde, Educação, Segurança, etc… Porque o político não quer servir, quer servir-se, ele só queria o poder, e conseguiu facilmente. Ele é o político self-service. Depois, fica todo mundo chorando, esperneando, sem saber o que fazer. Alguns capitalistas sobrevivem, e o resto quebra, e o consumidor não tem como melhorar de vida, resvalando para a orla da pobreza. Ou eu estou enganado?

Sosígenes Bittencourt

RECORDAR É VIVER – NO TEMPO DE EU MENINO

(A Cascatinha da Matriz e Manoelzinho de Horácio)

Papai me contava e mamãe assevera que quem construiu essa praça, chamada Dom Luis de Brito, foi Horácio de Barros, pai de Manoelzinho Rangel. Depois, diz que Horácio de Barros não foi à inauguração da obra, porque estava acometido de Tifo. Assistiu ao evento, debruçado na janela de sua casa, na Rua Imperial, popularmente conhecida como Rua do Meio.
Era nessa Cascatinha que Manoelzinho de Horácio tomava cachaça com caramelo de menta, contava piada, soltava lorota e empulhava o mundo.

Manoelzinho de Horácio partiu para a Eternidade aos 73 anos, já faz algum tempo. Ele contava que o médico que lhe tirou o baço e garantiu-lhe um ano de existência morreu primeiro.

Certa vez, Manoelzinho de Horácio me contou que fez um frio tão grande em Vitória de Santo Antão que o Leão Coroado, na frente da Estação Ferroviária, saiu do monumento e foi se esconder dentro de uma barbearia do outro lado da Praça.

Manoelzinho de Horácio era jogador de futebol. Diz que, um dia, ele foi bater um pênalti, quando o adversário Tenente Índio o ameaçou: – Se fizer o gol, me apanha!

Manoelzinho não teve dúvida, furou o gol e saiu correndo do estádio José da Costa, solto na buraqueira, pelo Dique afora.

Sosígenes Bittencourt