UM CERTO DOMINGO

Um certo domingo, corria o ano de 2010, eu assistia a uma reprise do Conexão Internacional, quando apareceu o jornalista e escritor carioca Carlos Heitor Cony, sendo entrevistado por Roberto D’Ávila.

Engraçado, disse simpatizar os cínicos, desde Sócrates a Machado de Assis e Jean-Paul Sartre. Disse que há uma diferença entre o escritor e o cronista. O escritor vive no fundo do mar, e o cronista, no aquário. O escritor tem de traçar seu caminho para ser notado, o cronista vive na vitrine. E acabou citando uma frase de Rabelais: “Não tenho nada, devo muito, o resto dou pros pobres.”

Ainda vi, neste programa, o físico Marcelo Gleiser dizer que “A terra pode ficar perfeitamente feliz sem a gente, mas a gente não vive sem a terra.”

Dá para esquecer semelhante domingo há 17 anos?

Dominical abraço!

Sosígenes Bittencourt

VIOLÊNCIA NO CARNAVAL DE VITÓRIA – PE

Não seria de estranhar violência no Carnaval de qualquer cidade que se embriaga, ouvindo música que trata a mulher como objeto sexual. Uma “lapada na rachada”, ou seja, a comparação do coito com uma carnificina. E a mulherada põe óculos escuros, mira o smartphone e se requebra para o mundo, como se estivesse num céu aberto. É o culto à“bundomania” nacional com o quadril em rotação sexual. Os decibéis são ensurdecedores para ninguém ter que parar para pensar. Éproibido sofrer, e refletir sobre o que se está fazendo, pode suscitar constrangimento. Nada é feito para espantar a tristeza, mas paraescondê-la.

Este discurso parece preconceituoso e de cunho moral, com ressaibos de puritanismo, mas não é. Pergunte a uma senhora que perdeu o seu filho, e ela responderá: “Eu disse tanto a meu filho que deixasse essa vida. Coração de mãe não se engana.”

No tempo de eu menino, havia um ditado que concluía: Por trás de toda desgraça do mundo, há três coisas, e, às vezes, as três juntas:dinheiro, bebida e mulher.

Eu acrescentaria que não são as três coisas em si, mas a maneira comoaprendemos a lidar com elas.

Misericordioso abraço!

Sosigenes Bittencourt  

CARNAVAL DE ORQUESTRA, CARNAVAL DE TRIO

Todo ano, surge essa discussão. Obviamente que, se a invenção de Dodô e Osmar não houvesse se espalhado por outras regiões, não haveria essa celeuma entre os ritmos regionais. Mas, marketing é marketing. A mídia apoiou e a praga se disseminou. O que não aconteceu com o frevo pernambucano, que não se difundiu e, portanto, ficou um espetáculo doméstico, de nossas tradições e de nossas plagas. Evidentemente que, se o Trio pegou o universo adolescente, passou a fazer parte de sua história. Resta, apenas, preservar o Carnaval tradicional, com execução de nossas músicas, do ritmo mais genuinamente nacional – segundo Gilberto Freyre – que é o “frevo”. Afinal, não devemos sepultar nossas tradições, nossa cultura, em nome de produtos importados. Vale ressaltar, no entanto, que essa convivência deve ser pacífica, não resvalar para aquele posicionamento radical e binário: ou isso, ou aquilo. O respeito deve imperar, em nome do humanismo. O radicalismo exacerbado é o prelúdio do fundamentalismo intolerante. E se o Carnaval de Trio passar – tenham certeza – surgirá coisa mais estranha aos admiradores dos velhos Carnavais, o Carnaval das orquestras de frevo. Sempre haverá esse choque, entre gerações, difícil de administrar, tendo como único caminho a tolerância e o diálogo. É como aquela velha polêmica: o que é melhor, The Fevers, ou Calcinha Preta? O que sabemos é que The Fevers parece ser eterno. Ainda hoje, toca. Não sabemos, evidentemente, se o forró eletrônico permanecerá, ao longo de tantas décadas, a tocar. O que promove certa reação é que a música está se traduzindo em ensurdecedores batuques, sem variantes, sem literatura, como se a arte estivesse em crise, ou o verdadeiro artista, aquele reconhecidamente inspirado, estivesse em extinção. Essa melancólica constatação merece especial abordagem, pois os sublimes valores do ser humano devem ser preservados, o que sempre o distinguirá dos demais seres vivos do planeta.

Sosígenes Bittencourt

CARNAVAL E CARNAVALIZAÇÃO


Você pode brincar Carnaval, não pode carnavalizar a vida. Carnaval é uma festa, não é uma lei, é escolha, não é obrigação. Brincar Carnaval não significa impor seu ritmo, sua vontade à vontade dos outros, submeter os demais aos seus caprichos.

O Carnaval teve origem na Grécia, foi adotado pela Igreja Católica e popularizou-se na Europa sem nenhuma correlação com pornografia. Pornografia é desrespeito e sempre será. Você não pode extrapolar os limites de sua liberdade ao ponto de atropelar o direto do seu semelhante. Ninguém pode estar obrigado a ouvir tudo que você queira dizer ou fazer em qualquer lugar ou a qualquer momento. Sequer uma Música Clássica. Se você desfilasse tocando Bach ou Beethoven, não estaria cometendo uma pornografia, mas estaria obrigando o seu semelhante a ouvir aquilo que ele não queria.

Respeito ao próximo deve ser coisa ensinada na tenra idade e vivenciada no dia a dia. Respeito quando é imposto, mediante punição, é sinal de que as pessoas não foram educadas para respeitar. Por isso, tanta estranheza. Proibir pornografia não tem a ver com CENSURA, tem a ver com RESPEITO. Zelar pela educação das crianças é questão até de Saúde Pública.

É que a Imoralidade no Brasil foi dessubjetivada, passando a fazer parte de nossa cultura. Por isso, tanto arrepio mediante sua proibição.

Sosígenes Bittencourt

E POR FALAR EM TRISTEZA

Eu sou meio ruim de tristeza. Pelo contrário, carrego uma certa alegria n’alma que, muitas vezes, confundem com falta de seriedade. Porque o importante não é a tristeza que você sente, mas o que você pode fazer com a tristeza que sente. Tristeza longa, duradoura é depressão. É caso clínico. Eu prefiro a tristeza que é caso cínico. Dizia, o dramaturgo Nelson Rodrigues, que “não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.”

Por exemplo, a tristeza, para mim, é motivo de literatura. Eu recebi um grande conselho do poeta alemão Wolfgang Goethe: Faz da tua dor um poema, e ela será suavizada.

Sosígenes Bittencourt

MINHA FANTASIA

A minha fantasia é original e não me custa um tostão.
Estou fantasiado de coroa, e o alfaiate é o tempo.
Embora, sem neto, posso ser o avô das meninas,
sobretudo das solteironas casadoiras e das separadas esperançosas.
A música que canto, nos ambientes por onde passo,
é a modinha de finado Capiba, MODELOS DE VERÃO.
Quanta mulher bonita
tem aqui neste salão
parece até desfile
de modelos de verão
até as viuvinhas
do artista James Dean
vieram incorporadas
hoje a noite está pra mim!
Eu daqui não saio,
eu não vou embora,
tanta mulher bonita
e minha mãe sem nora.

 Sosígenes Bittencourt

PROGRAMA DE DOMINGO PARA CINQUENTÃO SAUDOSISTA

https://www.youtube.com/watch?v=bQLib28CmzI

Se você acha que o seu namoro perdeu a graça, experimente relembrar o que você fazia quando havia graça. Você chegava com o coração pinotando de desejo e começava a cortejar a menina que você amava. Então, faça o movimento inverso, comece a cortejá-la que o desejo irá aflorar. Escolha um lugar que tenha flores e cante uma canção do seu tempo.

Saudoso abraço!

Sosígenes Bittencourt

EU E MEU MENINO NO TEMPO DELE MENINO

Filhos são relógios que temos. 
Quanto mais jovens, mais envelhecemos.

O menino: – Pai, estou com medo.
Eu: – Começaste a sentir a dor da alma.
O menino: – O que é alma?
Eu: Para ter alma, não precisa explicação.

O menino: – Pai, eu penso que quando o senhor era menino, o mundo era preto e branco.
Eu: – Cometeste o teu primeiro poema.

O menino: – Pai, eu estava com saudade.
Eu: – Saudade é um sentimento que não morre quando se mata. É a gente matando saudade e morrendo de saudade.

O menino: – Pai, uma menina me beijou.
Eu: – Cuidado, meu filho, eu ainda não estou na idade de ser avô.

Sosígenes Bittencourt

PRIMEIRO ATO

Manhã cedinho, ponho-me a lidar com as palavras.

Leio desde quando não sabia ler e escrevo desde quando não sabia escrever.

Ver é natural, ler é intelectual.

Penso, logo escrevo. Escrevo, logo sou lido. Sou lido, logo existo.

Ensinar, para mim, é uma forma de conviver, minha escola é o mundo.

Eu não faço poesia de propósito, faço poesia quando a beleza passa.

Eu não sou egoísta, por isso conto a poesia pra todo mundo.

Sosígenes Bittencourt

QUEM QUER SER VIZINHO DE BANCO EM CIDADEZINHA DO INTERIOR?

Quem quer morar vizinho a uma Agência Bancária numa cidadezinha do interior?

Contam que foram assaltar um banco num desses lugarejos pacatos, munidos de metralhadora portátil e Ar-15, e um menininho saiu correndo para avisar. Quando chegou à Delegacia, havia dois policiais desanimados, munidos de três-oitão, sem gasolina na viatura e os salários atrasados.

Aí, o menininho: – Polícia, polícia, tem assaltante roubando o banco!

Aí, os policiais: – Assaltante de banco?! Ainda bem que você veio avisar – e deram o pira pelo quintal da Delegacia.

Se for mentira, tem lógica suficiente para ser verdade. A verdade não precisa de lógica, já é verdade, mas a mentira tem de ter imaginação, tem de ter fundamento.

Outro dia, uma crente relatou que ouviu um estrondo tão grande, de madrugada, que pensou que era o Apocalipse.

Um outro morador contou que os assaltantes disseram que estavam trabalhando e o serviço era rápido. Nesses dias, pedem para se qualificar como profissionais a fim de contribuir e se aposentar pelo INSS.

Quem quer ser vizinho de banco em cidadezinha do Interior?

Sosígenes Bittencourt

O HOMEM ACHA A PAZ CHATA

A guerra é o cúmulo da insanidade coletiva, é a única disputa em que não há vencedor. A guerra é a legalidade do crime. Pergunta a quem perdeu um filho, sobre a vitória. Quem foi o vencedor da guerra que levou um ente querido? Os latinos diziam: SI VIS PACEM PARA BELLUM, ou seja, se queres a paz, prepara-te para a guerra. Por que não disseram SI VIS PACEM PARA PACEM, se queres a paz, prepara-te para a paz.

O homem acha a paz chata, por isso inventou a guerra, que é mais emocionante. O mundo conspira contra a paz, seduzido pelos motivos de sofrimento. O ser humano é um escravo cerebral das sensações, dependente químico das emoções existenciais mais impactantes. Acha mais emocionante a luta do que a comunhão. Gosta da paixão, embora sofra, desprezando o cultivo do amor, que é manso e sereno. Quando alguém mais brando diz que ama, o contemplado se abusa, enjoa. Prefere alguém prepotente que disfarça, atordoa, fere. Os cristãos disputam Jesus no grito, se dividem em nome do Senhor. O ninho dos profetas, a pátria das religiões é um barril de pólvora. Os regimes teocráticos são assassinos. As Coreias, desenvolvidas, reconstruídas com base na disciplina e na educação, sentem saudade da guerra, arengam tanto quanto as cubatas africanas, antros de ladrões, analfabetos e miseráveis. A mídia vende mais desastres ecológicos, conflitos humanos, crimes, catástrofes, porque o coração humano se emociona e prestigia. Por mais que o mundo produza bens e serviços, evolua científica e tecnologicamente, a paz parece, a cada aurora, mais distante.

Caótico abraço!

Sosígenes Bittencourt

A PÁTRIA DO BARULHO – por Sosígenes Bittencourt.

Em função do nosso recente questionamento realçando à barulheira provocada por PAREDÕES DE SOM, “pilotados” por pessoas que parecem não ligar  para as boas regras de convivência civilizada, segue, abaixo, a crônica escrita, em 2011, pelo professor, pensador e poeta vitoriense, Sosígenes Bittencourt.

A PÁTRIA DO BARULHO – 01 de março de 2011

O que me leva a escrever sobre barulho é a consequência de festas realizadas em minha rua e uma crônica escrita por Cláudio de Moura Castro em fevereiro deste ano. O economista viveu 15 anos entre a Suíça e os Estados Unidos. Mesma sorte não tive eu, sempre residindo aqui, no foco da zoada. Não sei se me adaptaria à Suíça que, de tão silenciosa, deva ser monótona. Pelo menos para mim, habituado a frevo e maracatu, samba do crioulo doido, trio-elétrico e porta-malas que falam.

Outro dia, conheci duas austríacas que falavam mais por gestos do que por palavras. Imaginei que beijassem em meneios de valsa, como se bailassem.

Nos dias de festa em minha rua, os meus pais septuagenários não dormem, não sossegam, e minhas elucubrações intelectuais são capituladas. Segundo Cláudio, na Suíça, “os cães não latem e as crianças não berram”. Literalmente, “é proibido cortar grama aos domingos, por causa do barulho das máquinas”. Relata que “em muitos edifícios é proibido tomar banho e puxar a descarga após as 10 horas da noite. Aviões barulhentos não pousam lá”.

Bem sei que ninguém tem tempo de estar lendo ou se incomodando com essas coisas como faço agora, mas alguém tem de desabafar pelos que sofrem. Um dos momentos mais pitorescos, dentro da descrição do economista em torno do país dos decibéis, é quando denuncia que aqui “Muitos urram fora da lei. Os pneus cantam nas curvas. A cachorrada da vizinhança tem cordas vocais de aço-molibdênio. As igrejas e os cultos confundem decibéis com fé”.

Penso que Cláudio tem muito o que reclamar nesse seu retorno à pátria do barulho. Eu o aconselharia a entrar numa dessas festas onde a juventude se embriaga ao som e o ritmo de “Lapada na rachada”, para estudar a ideia que hoje se inculca na população sobre os órgãos genitais e o exercício do prazer.

Sosígenes Bittencourt.

BOA SORTE!

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) deduzira: Sem a música, a vida seria um erro.

Depois, chamam-me de hiperbólico quando descrevo minhas emoções musicais. Quando a dosagem é exagerada, é natural que o efeito seja um exagero.

O filósofo francês Voltaire (1694-1778) já apregoava: Tudo que entra pelo ouvido vai direto ao coração.

Não foi, em vão, que a mitologia personificou a música na deusa Euterpe, cuja etimologia resume-se em “a doadora de prazer”. E eu não quero me curar de nada que me dá prazer.

Sosígenes Bittencourt