DO AMOR AOS GATOS OU AILUROFILIA

Tudo na vida tem o seu dia de comemoração, mas os gatos têm dois dias: 17 de fevereiro e 8 de agosto. Apesar de arisco, não se dando com gritaria nem com carinho fora de hora, o bichano é considerado o mais popular do mundo.

Domingo, amanheci com um gatinho miando dentro da casa. De tão novo, não consegui entender como veio parar no jardim. Não conseguiria enguiçar o muro nem penetrar pela brecha do portão. Todavia, não era hora de especular sobre sua invasão. Dei-lhe leite e o coloquei numa caixa, forrada com um pano, para repousar. Ele mordeu o leite e fungou, como se procurasse peito, escorregou, lambuzou-se todo. Depois, deitou-se, espreguiçou-se, suspendeu as patas e começou a se lavar com a língua.

Porém, uma indagação sobrepairava a cena: Quem o ensinou a tomar banho? Quem lhe disse que a “candida albicans” de sua saliva serve de antibiótico para o seu corpo? De uma coisa, já fomos informados: os donos de gatos são mais introspectivos e sensíveis, o que significa dizer que os homens aprendem mais com os gatos do que os gatos com os homens.

Com a palavra, os ailurófilos.

Sosígenes Bittencourt

A PAIXÃO

A paixão é hipnótica,
conteúdo mental invasivo.

A paixão tem vontade própria.
O apaixonado, não.

A paixão é cega e vê,
porque vê o que quer sem entender.

A paixão é sentimento abdominal,
nasce de baixo para cima.

A paixão deve dar um sentido à vida,
não um sentido à morte.

A paixão é o aperitivo do prazer,
não deve virar um porre.

A paixão por coisas é mais serena;
a paixão por pessoas, mais dependente.

A paixão acorda o apaixonado, de madrugada,
para pensar nela.

A paixão é sem explicação,
tendo nada a ver com o seu objeto.

A paixão é suicida, pode matar o apaixonado.
A paixão é homicida, pode matar a coisa desejada.

A paixão termina por ganhar da solidão.
Ai do solitário!

Sosígenes Bittencourt

BOA SORTE!

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) deduzira: Sem a música, a vida seria um erro.

Depois, chamam-me de hiperbólico quando descrevo minhas emoções musicais. Quando a dosagem é exagerada, é natural que o efeito seja um exagero.

O filósofo francês Voltaire (1694-1778) já apregoava: Tudo que entra pelo ouvido vai direto ao coração.

Não foi, em vão, que a mitologia personificou a música na deusa Euterpe, cuja etimologia resume-se em “a doadora de prazer”. E eu não quero me curar de nada que me dá prazer.

Sosígenes Bittencourt

SOU TORCEDOR BRASILEIRO

Eu não consigo torcer contra o Brasil. Há um país que vive em mim, livre de qualquer influência que o desfaça.
Ademais, a esperança nutre-se de vitórias, não de derrotas. De que nos servem as derrotas, senão como lição.
Uma gestão governamental é muito pouco para eu perder o amor a minha Pátria.
Reprovar um político e transformar este ódio em desamor à Pátria é um gigantesco equívoco. Observemos a sapientíssima reflexão do jurisconsulto doutor Rui Barbosa:

“A pátria não é ninguém, são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. “

Ora, como poderei odiar minha pátria porque um regime ou um governante não me agrada, porque degrada? O que tem a ver a pátria que vive em mim, o seu céu, o seu solo, suas riquezas naturais, meus antepassados e meus filhos com tudo isso?

Sosígenes Bittencourt

FISCALIZAÇÃO ADULTERINA EM CARNE ADULTERADA


Para quem já ouviu falar sobre esterco de quadrúpede em cigarro, soda cáustica em leite de vaca e deglutiu carne de jumento não deveria ficar de cabelo em pé com papelão em lote de frango.

Mas, como o brasileiro está habituado a engolir corda, acredita piamente que Michel Temer provou a seriedade de nossas carnes ao passar na mandíbula churrasco, com comensais estrangeiros, em laudo banquete. Claro que o presidente não poderia temer uma diarreia internacional e coletiva depois de semelhante papelada fiscal. Deve ter contratado fiscais para fiscalizar a fiscalização oficial.

Na realidade, a operação não deveria se chamar “Carne Fraca”, mas “a carne é fraca”, justificando com humor antigo que, por trás de toda desgraça, há sempre “dinheiro, adulterina e cachaça”.

Sosígenes Bittencourt

NO DIA DA FELICIDADE

O segredo da felicidade é um segredo. Portanto, cada um tem que descobrir o seu. O segredo da minha felicidade não é o segredo da sua felicidade.

O filósofo Sócrates morreu feliz, apesar de ter sido obrigado a beber veneno para se matar.

Quem poderia ser feliz com o segredo da felicidade de Sócrates?

Contudo, ninguém saberia se estaria feliz, se não fossem os momentos sem felicidade, pois não saberia distinguir a felicidade se jamais fosseinfeliz por um instante.

Aliás, querer ser feliz o tempo inteiro tem sido o motivo de muita infelicidade.

Sosígenes Bittencourt

BIG BROTHER BRASÍLIA

Brasília é uma casa sem telhado. A culpa é da internet e da curiosidade dos homens. Você pode até não viver DA Rede, mas, inescapavelmente, viverá EM Rede, ou seja, enredado na teia da Rede. O risco é que você não poderá se policiar 24 horas no ar, porque ninguém é imune a fazer tolices, dizer besteira, cometer despautérios. E se a besteira for estrambótica, estapafúrdia, os homens da lei poderão pedir para quebrar o seu sigilo eletrônico. Aliás, há homens da lei também investigados. São humanos.

Urge que se aprenda a mentir com lógica e a memorizar a mentira. Porque o castigo do mentiroso é ter de se lembrar da mentira para não gaguejar e entrar em contradição.

O Big Brother Brasília dá prejuízo ao Big Brother Brasil, quebrando-lhe índices de audiência. São as audiências da Delação Premiada que transformam o Big Brother Brasil em menor entretenimento e menor piada. Não há personagem mais curioso, ao natural, do que um Dulcídio enfurecido resolvendo falar a verdade. E se todos os delatores estiverem falando a verdade, e se tudo for apurado e comprovado, todos estarão envolvidos por ação, ou omissão, o que redundaria em coletiva condenação.

Por enquanto, aos eleitores a teleaudiência das audiências do Big Brother Brasília, para reconhecer que a culpa não é só dos delatados, porque os delatados foram votados, e os eleitores são os mesmos telespectadores.

Big Abraço Brasil!

Sosígenes Bittencourt

PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

I
Um dia, eu vi a insuportavelmente linda Linda Blair.
Cinematográfica, Linda era negócio pra cinema.

Quiseram torná-la feia, possuída pelo demônio,
para alguém exorcizar.
Mas, Linda teimava em ser linda,
e a plateia teimava em amar.

Foi Linda que me inspirou a oração:
Para quem aprecia e quer,
todo dia é Dia Internacional da Mulher.

II
Se desaparecessem todas as mulheres do mundo, eu mandaria dar baixa na minha Carteira Profissional. Não iria trabalhar para sustentar um solitário como eu.

III
A mulher é uma faculdade que eu não consigo terminar.
Quanto mais estudo, mais mistério a desvendar.

IV
A minha vida é suspender o véu do preconceito para enxergar o íntimo da mulher.

Sosígenes Bittencourt

UM CERTO DOMINGO

Um certo domingo, corria o ano de 2010, eu assistia a uma reprise do Conexão Internacional, quando apareceu o jornalista e escritor carioca Carlos Heitor Cony, sendo entrevistado por Roberto D’Ávila.

Engraçado, disse simpatizar os cínicos, desde Sócrates a Machado de Assis e Jean-Paul Sartre. Disse que há uma diferença entre o escritor e o cronista. O escritor vive no fundo do mar, e o cronista, no aquário. O escritor tem de traçar seu caminho para ser notado, o cronista vive na vitrine. E acabou citando uma frase de Rabelais: “Não tenho nada, devo muito, o resto dou pros pobres.”

Ainda vi, neste programa, o físico Marcelo Gleiser dizer que “A terra pode ficar perfeitamente feliz sem a gente, mas a gente não vive sem a terra.”

Dá para esquecer semelhante domingo há 17 anos?

Dominical abraço!

Sosígenes Bittencourt

VIOLÊNCIA NO CARNAVAL DE VITÓRIA – PE

Não seria de estranhar violência no Carnaval de qualquer cidade que se embriaga, ouvindo música que trata a mulher como objeto sexual. Uma “lapada na rachada”, ou seja, a comparação do coito com uma carnificina. E a mulherada põe óculos escuros, mira o smartphone e se requebra para o mundo, como se estivesse num céu aberto. É o culto à“bundomania” nacional com o quadril em rotação sexual. Os decibéis são ensurdecedores para ninguém ter que parar para pensar. Éproibido sofrer, e refletir sobre o que se está fazendo, pode suscitar constrangimento. Nada é feito para espantar a tristeza, mas paraescondê-la.

Este discurso parece preconceituoso e de cunho moral, com ressaibos de puritanismo, mas não é. Pergunte a uma senhora que perdeu o seu filho, e ela responderá: “Eu disse tanto a meu filho que deixasse essa vida. Coração de mãe não se engana.”

No tempo de eu menino, havia um ditado que concluía: Por trás de toda desgraça do mundo, há três coisas, e, às vezes, as três juntas:dinheiro, bebida e mulher.

Eu acrescentaria que não são as três coisas em si, mas a maneira comoaprendemos a lidar com elas.

Misericordioso abraço!

Sosigenes Bittencourt  

CARNAVAL DE ORQUESTRA, CARNAVAL DE TRIO

Todo ano, surge essa discussão. Obviamente que, se a invenção de Dodô e Osmar não houvesse se espalhado por outras regiões, não haveria essa celeuma entre os ritmos regionais. Mas, marketing é marketing. A mídia apoiou e a praga se disseminou. O que não aconteceu com o frevo pernambucano, que não se difundiu e, portanto, ficou um espetáculo doméstico, de nossas tradições e de nossas plagas. Evidentemente que, se o Trio pegou o universo adolescente, passou a fazer parte de sua história. Resta, apenas, preservar o Carnaval tradicional, com execução de nossas músicas, do ritmo mais genuinamente nacional – segundo Gilberto Freyre – que é o “frevo”. Afinal, não devemos sepultar nossas tradições, nossa cultura, em nome de produtos importados. Vale ressaltar, no entanto, que essa convivência deve ser pacífica, não resvalar para aquele posicionamento radical e binário: ou isso, ou aquilo. O respeito deve imperar, em nome do humanismo. O radicalismo exacerbado é o prelúdio do fundamentalismo intolerante. E se o Carnaval de Trio passar – tenham certeza – surgirá coisa mais estranha aos admiradores dos velhos Carnavais, o Carnaval das orquestras de frevo. Sempre haverá esse choque, entre gerações, difícil de administrar, tendo como único caminho a tolerância e o diálogo. É como aquela velha polêmica: o que é melhor, The Fevers, ou Calcinha Preta? O que sabemos é que The Fevers parece ser eterno. Ainda hoje, toca. Não sabemos, evidentemente, se o forró eletrônico permanecerá, ao longo de tantas décadas, a tocar. O que promove certa reação é que a música está se traduzindo em ensurdecedores batuques, sem variantes, sem literatura, como se a arte estivesse em crise, ou o verdadeiro artista, aquele reconhecidamente inspirado, estivesse em extinção. Essa melancólica constatação merece especial abordagem, pois os sublimes valores do ser humano devem ser preservados, o que sempre o distinguirá dos demais seres vivos do planeta.

Sosígenes Bittencourt