HÁ EXATOS 100 ANOS, GILBERTO FREYRE, quando estudante nos EUA teve um sonho revelado no seu DIÁRIO, em 1922: Se pudesse, quando voltasse ao Brasil, organizaria um museu antropológico segundo a orientação de Franz Boas e Paul Rivet, ambos seus amigos. Teria nascido desse sonho o que seria o nosso MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE. Gilberto alimentava o sonho de criação de um museu do homem, “especializado na apresentação sistemática, didática, cientificamente orientada, de material antropológico relativo à gente brasileira”.
Certa noite Albert Einstein teve um sonho parecido: sonhou que estava pilotando um trenó que descia a toda velocidade um morro repleto de neve. O trenó estava tão rápido que atingiu a velocidade da luz, fazendo com que todas as cores se unissem em uma só. Seu interesse pela velocidade da luz, dizem, teria começado ali. Os gênios nunca deixam de sonhar alto.
Para falarmos do sonho é mesmo que falarmos de desejo. Desde Platão o sonho tem parentesco mais forte com desejo, o desejo como falta. Tudo na vida é sonho e desejo. O mito de Platão fala da ânsia da incompletude.
A concessão da Medalha do Mérito Museológico ao Museu do Homem do Nordeste/Fundação Joaquim Nabuco, pela Conselho Nacional de Museologia, é uma honraria que muito enaltece a instituição fundada por Gilberto Freyre. Vem confirmar e dar o testemunho do que visitantes de todos os lugares já disseram, ao longo dos anos, como prova de admiração e reconhecimento, diante do que se concentra nesse Museu: Um expressivo panorama de nossa formação antropossocial.
Começo dizendo que não é novidade o fato de ser, na sua especialidade, na linhagem de representatividade, um dos exemplos de maior êxito quanto ao seu conceito primordialmente educativo e de documentação, em colaboração permanente com escolas, instituições culturais, museus, bibliotecas, arquivos, universidades, dentro e fora do Brasil. Nele são retratados aspectos representativos da trama social que envolveu o homem nordestino, a partir da sua formação étnica, no itinerário percorrido da casa-grande à senzala, do sobrado ao mocambo por entre as malhas do domínio patriarcal. Uma história de aproximações, de convivências e interpenetrações de valores. Em pé de igualdade com os seus congêneres dentro e fora do Brasil, a começar pelo Musée de l’homme, de Paris, e ouso tal comparação, sem querer agradar, porque dele me tornei visitante atento aos detalhes, o dia inteiro, mais de uma vez.
O museu francês, criado pelo paleontólogo, etnólogo e sociólogo Paul Rivet, de quem Gilberto Freyre era amigo e colaborador. Tamanha afinidade havia entre eles, amigos e estudiosos de antropologia, que Gilberto se tornaria hóspede de Rivet numerosas vezes em que esteve na capital francesa, segundo registro de Paulo Duarte na revista de cultura Anhembi, uma das melhores publicações em nossa língua na década de 50, embora radical em certas posições ideológicas. (Um Paulo Duarte inicialmente pouco simpático às ideias de GF).
Gilberto Freyre, ainda jovem, não perdia de vista o Museu francês, experiência talvez trazida para o que seria o Museu da Fundaj. Gilberto era conhecido pelo staff da UNESCO como “um os mais conhecidos sociólogos do seu tempo”. (Por essa e outras glórias e honrarias vindas da Europa e dos EUA pagaria caro no Brasil o resto da vida). Ao passar pelo museu francês, até chegar ao que seria o Museu da Fundaj, Gilberto já conhecia o perfil de museus da Inglaterra e dos Estados Unidos, onde os museus tradicionalmente representavam um dos atores da dinâmica cultural, de transmissão de conhecimento. Neste sentido, o museu concebido por Freyre, digo eu, é pensado, na sua amplitude, na sua metodologia e conteúdo, como uma instituição indispensável e insubstituível – a síntese do que nele é vivo e cristalizado, como instrumento de formação do indivíduo., “mais vivente e convivente com os visitantes”.
Freyre afirma, no caderno pedagógico O Homem do Nordeste (1982), que a Fundação Joaquim Nabuco não estaria completa em sua organização básica, enquanto não abrisse aos estudiosos, em particular, e ao público, em geral um museu que fosse uma documentação viva da cultura do lavrador, especialmente do Nordeste canavieiro, da senzala, sobre a casa-grande.
PS – Para quem não sabe, o Museu Antropológico do Instituto Histórico da Vitória de Santo Antão, que teve como seu fundador o professor José Aragão, foi concebido a partir da experiência museológica do Museu do Homem do Nordeste/ Fundaj. Fui, com Aragão e João de Barros, na condição de sócios, realizar as primeiras visitas temáticas nesse Museu, que resultaram numa experiência cultural e educativa inédita no Interior do estado. Ali, fomos recebidos pelos dirigentes Gilberto Freyre e Mauro Mota.
Marcus Prado – jornalista