Tenha o Senador Delcídio do Amaral cometido ou não as condutas que levaram a sua prisão em flagrante, prisão essa mantida, por maioria, pelo Senado Federal, o fato é que, ao menos aos olhos da Constituição Federal de 1988, essa prisão em flagrante acha-se flagrantemente Inconstitucional!
É simples de entender. Determina a CF/88, em seu art. 58, § 2º, que:
“ Art. 58. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões, palavras e votos.
- 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso os autos serão remetidos dentre de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. “
Ora, sabemos todos nós, serem crimes inafiançáveis, os seguintes: o de racismo, de tortura, o trafico ilícito de drogas, terrorismo, os definidos como crimes hediondos, genocídio, os praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, conforme preceitua o art. 5º, LIII e XLIII, da CF/88.
Diante desse exposto, pergunta-se: Qual ou quais desses crimes cometeu o Senador Delcídio?
Outro agravante que macula de inconstitucional a prisão do Senador é o fato da mesma ter sido fundamentada em uma escuta ambiental não autorizada pelo STF. Portanto, a prisão foi lastreada em prova ilegal, inválida. Data vênia !
Com efeito, a escuta ambiental, como meio de prova, para ter validade legal, precisa de autorização judicial prévia. No caso ora comentado, a escuta ambiental que ensejou a prisão do Senador não foi autorizada pelo STF, único órgão do Poder Judiciário com competência para autorizar a referida gravação, por prerrogativa constitucional. Essa matéria já foi decidida pelo Supremo, no julgamento da Ação Penal n. 307-DF. Nela, deixou dito o Min. Celso de Mello, verbis:
“A gravação de conversa com terceiros, feita através de fita magnética, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relação dialógica, não pode ser contra este utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que esse procedimento precisamente por realizar-se de modo sub-reptício, envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em consequência, nula a eficácia jurídica da prova coligida por esse meio. (…) A gravação de diálogos privados, quando executados com total desconhecimento de um dos seus partícipes, apresenta-se eivada de absoluta desvalia, especialmente quando o órgão de acusação penal postula, com base nela, a prolação de um decreto condenatório.”
Portanto, para admissão desse tipo de prova em nosso ordenamento jurídico, o que só pode acontecer de forma excepcional, terá sempre que ocorrer após ordem judicial para sua realização. No caso da prisão ora comentada, inexistiu tal autorização, o que juridicamente torna ilícita a prova que fundamentou a prisão do Senador. Aliás, o próprio STF, na Ação Penal n. 307-DF, assim já declarou.
É bem verdade que o Povo Brasileiro, com toda razão, acha-se chocado e até mesmo revoltado, ante a enxurrada de escândalos milionários praticados contra o patrimônio da Petrobras. Observa-se até, que os experientes Ministros do STF sentiram-se machucados com o envolvimento dos seus nomes, expostos no diálogo captado ilegalmente. Mas, não se pode conceber que esses Ministros, de larga experiência e sabença jurídica, rasguem a Constituição, por laivos vaidosos e ferimentos em seus egos.
Ora, admitir uma escuta ambiental clandestina para legitimar a prisão preventiva ou a prisão em flagrante é abrir precedentes de futuro tenebroso. Por fim, é de observação legal, que após ter sido preso, o Senador deveria ter sido conduzido imediatamente ao Min. Teori Zavascki do STF, para audiência de custódia, como determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Sobre essa matéria o STF já se pronunciou no julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347. No presente caso, se esqueceram dos posicionamentos já firmados.
O fato é que lugar de bandido, realmente, é na cadeia. Que o Senador pague por todos os crimes que cometeu, mas cumprindo-se o devido e constitucional processo legal, com direito a ampla defesa ao contraditório. Definitivamente, nessa quadra ora comentada, a Constituição da República foi desrespeitada, o que causa insegurança a todos e descumpre do ideário de um Estado Democrático de Direito!
Oswaldo Gouveia
Advogado e Prof. Universitário