Por Noel Neder
Monge Dominicano do Convento de Avrillé/França.
Especial para o Blog do Pilako
“Estes literatos são todos iguais…
Logo que põem as mãos na santidade,
sujam-se dos pés à cabeça de sublimidade
(ils se barbouillent du sublime) espalham o sublime
por toda a parte. Mas a santidade não é sublime.”
Georges Bernanos.
“Pe. Monte jamais se divorciou do sentido
realista da vida. Ele sabia que a verdade é
vital e que sua aquisição importa na
realização do homem.
Nele a verdade era vida…”
Pe. Jorge O’Grandy de Paiva
“Toda verdade é católica”
Papa Leão XIII
Espero não ser temerário ao afirmar que entre os conhecidos intelectuais vitorienses, Osman Lins e Maria do Carmo Tavares de Miranda, ergue-se entre estes o Pe. Luiz Gonzaga do Monte. Quem é este? Foi a primeira pergunta que me fiz e talvez seja a de muitos. [1]
Eis que, em 2012, me deparo com um grande padre, piedoso, intelectual do início do século. Que possui em seu bojo uma antologia de mais de dez volumes e duas biografias. Além de outros tantos artigos esparços e obras inacabadas, pois ele só viveu 39 anos. Creio que a pergunta correta não é “quem é esse”? Mas como ele passou desapercebido por essas plagas? O quarto bispo do Rio Grande do Norte, D. Marcolino Dantas, nos deixa ver algo de sua personalidade: “ É que, por demais modesto, pouco ou nada gostando de falar, muitas vezes só em nome da obediência ao seu prelado Monte quebrava o silêncio, abrindo a boca de ouro.” Acrescento algo dito pelo seu biografo, Cônego Jorge O’Grandy de Paiva:
“Avesso às exterioridades e convenções sociais.[…] Monte não estudava por estudar. Sua atividade intelectual não era um derivativo nem um envaidecimento. Era uma finalidade dirigida, uma intenção reta. Entregando-se a estudo, servia a Deus, conhecia-o, amava-o. E fazia-o conhecer e amar. Contemplare et contemplata tradere, ensinou Santo Tomás de Aquino […] Aprendia a ciência sem disfarce e comunicava-a sem inveja. Longe dele qualquer manifestação paranoide de narcisismo intelectual[…] Auto-didata, não tinha os defeitos que ordinariamente decorrem desse gênero de aprendizagem. Evitava-os constantemente […] Monte sempre esteve à autura de ensinar a quem o ensinava […] Estudioso nato, tudo lhe interessava saber. Fugia dos unilateralismos. Era universal.[2]”
UM GIGANTE INVISÍVEL.
Sempre causa espanto a constatação de aparentes paradoxos. Digo “aparentes”, pois não o são. Temos um vício na inteligência que nos priva, a todos, de uma exata percepção da realidade.Eis porque Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, oferta o que há de maior através de parábolas. O que mentes imbricadas em um materialismo umbilical chamariam de paradoxo constata-se, tão somente, através de verdades evidentes em si mesmas. É o que podemos chamar de axioma divino. “Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado”. Típico exemplo.
Assim posto, podemos dizer que o Pe. Monte foi um homem que compreendeu a realidade.Tarefa árdua! Que exige uma verdadeira luta. A Verdade é o fim que se pretende, ainda que seja fim último. Mesmo tolhido entre as mais variadas adversidades, que seria impossível descrevê-las nestas poucas linhas, viu-se despontar em solo vitoriense essa fina flor. Educação é superação como bem ensina Olavo de Carvalho:
[…] quanto pior ficar a sua condição econômica, mais se apeguem à sua vocação intelectual. […] O mundo, no sentido bíblico do termo (isto é, a sociedade mundana), só respeita quem o despreza. […] Quanto mais pobres vocês ficarem, mais se dediquem aos estudos. A porcaria reinante não prevalecerá sobre a sinceridade de seus esforços […] Nunca esperei que minha situação melhorasse para depois estudar, e garanto: seja teimoso, e um dia o mundo desiste de tentar dominar você pela fome.
Mas não bastou ao padre e não bastará a nós o “estudo pelo estudo”. Dessa forma seriamos pseudo-intelectuais como um Sartre que se negando a entender que existe sentido no sofrimento, nos relega a uma existência com sofrimento, imanente a condição de homo sapiens, mas sem sentido, existir por existir. Para essa melhor compreenção da realidade, da vida e do mundo faz-se necessário que o composto humano, indiviso, corpo e alma, esteja ordenado. A vontade deve seguir a inteligência e esta deve ser iluminada pela Fé. Uma desordem gera as mais funestas consequencias.
Os positivistas, comunistas, socialistas, ateistas (e outros “istas”) negam a transcedência, a alma[3]. Logo, negam o que há de superior nela, o próprio intelecto, a razão. Como consequência não entendem a realidade e, mesmo assim, querem modifica-la. A imaturidade intelectual se reflete, obviamente, em termos cronologicos, na idade do “jovem”[4]. Sendo, em linhas gerais, o motivo da enfadonha máxima juvenil:
– Vamos mudar o mundo!
Não bastando o absurdo da proprosição em si, há os desdobramentos:
– vamos fazer o mundo melhor;
– vamos fazer um mundo novo…
Se não é o mundo é o estado, a cidade, o bairro, etc.
No outro extremo do pêndulo temos os românticos. Estes até percebem o transcendente, mas no campo da vontade dão azo as paixões. O que alimenta as paixões são os sentidos e estes argutamente percebem os fenômenos da realidade, como cílios catalisadores. Capturam, em certo sentido, parte da realidade. “O poeta é um filosofo que teve pressa”. De quê? De domar suas paixões, a pulso, e submetê-las a razão. Por essa ótica não causa extranhesa o paroxísmo agonizante de um Augusto dos Anjos: “Falas de amor, e eu ouço tudo e calo / O amor na Humanidade é uma mentira.” Ou de um Albino Forjaz de Sampaio: “ Abre um crânio e vês se distingues a alma de Dante da alma de Caim, a de Inocêncio III da do galego da esquina.” Daí segue a afirmação do dominicano H. Petitot:
“Há esta diferença entre o artista e um santo, o artista toma por objeto da sua vida a execução de uma obra exterior a si próprio, ao passo que o santo não tem outro fim em vista a não ser a perfeição da sua própria vida.”
Ainda não estou pondo o padre Monte nos altares, isso ficará a cargo da Santa Sé. Mas qual o lugar do Pe. Monte nessa polaridade? No equilibrio, no meio termo tipicamente Católico. Será declarado santo? Não sei. O que sei é que ele superou ,em muito, os já citados intelectuais da Vitória. Não por ter sido simplesmente um “intelectual maior”, apesar do seu biografo afirmar que: “ em seu tempo o Pe. Luiz Gonzaga do Monte dominou todos os ramos do saber”, por dominar nove idiomas, ter escritos brilhantes. Não e não. A sua superioridade está em sua virtude e esta se localiza no ponto alto entre dois extremos. O Cristão deve imitar a Cristo.
“Se algum terreno existe em que é preciso considerar os homens, não como são, mas como devem ser esse é precisamente o da espiritualidade. […] É necessário que elevando-nos sobre as convenções humanas, respiremos os ares do cume” (Garrigou- Lagrange)
O nome do padre encerrava o seu destino.
Amar a Deus mais do que a si mesmo, nisto consiste o heroísmo. O contrário disto Santo Agostinho deixa bem claro em suas duas cidades[5]: é o amor do homem por si mesmo que resulta em algo pior do que Sartre, do que nada. Mas para os que, cartesianamente, dividem Academia e Religião, deixo a definição, nas palavras do professor Roger Verneaux, do que vem a ser Psicologia Metáfisica, matéria preferida do Pe. Luiz Gonzaga do Monte.
“Para que o espírito fique satisfeito, deve poder explicá-lo para si mesmo, isto é, conhecer suas causas, princípios e razões. Uma Metafísica que não se contenta em ser uma construção de conceitos, mas pretende dar uma explicação do real, baseia-se sempre na experiência, funda-se nela, refletindo sobre ela e ultrapassando-a”
Antevendo, ainda, uma possível “ladainha do ódio” recitada por alguns, com as mais variadas denominações, ao autor destas pobre linhas: raivoso, amargo, intransigente, azedo…
Segue, a estes, o ensinamento de São João Crisostomo:
“Sem cólera, nem a virtude progride, nem as leis subsistem, nem as faltas reprimidas. A excessiva paciência fomenta o vício, anima os negligentes, induz para o caminho do mal não só os maus, mas até os bons.”
Peço que cada leitor reze, sem romantismos, uma Ave Maria pelo nosso, herói desconhecido, padre vitoriense.
Noel Neder – COUVENT DE LA HAYE-AUX-BONSHOMMES
AVRILLÉ-FRANÇA
[1] Morei alguns anos em Vitória, frequentei inumeros ambientes, dentre estes, os “intelectuais” e jamais ouvi uma única menção a esse padre. De maneira absolutamente epidérmica e a lufadas esporádicas ouve-se o nome dos outros dois intelectuais. Ora com citações indevidas ou como nome de estabelecimentos. Chega a ser irônico como Osman Lins é lembrado. Suas grandes obras são absolutamente desconhecidas do grande público, restando os louros a uma obra menor que inspirou um filme na Rede Globo.
[2] Sobre esse particular assevera Garrigou- Lagrange: “Hoje a especialização exagerada dos estudos faz com que muitas inteligências fiquem privadas da visão de conjunto necessária para julgar retamente as coias […] O culto do detalhe não deve perder de vista o conjunto.
[3] Falo aqui de alma espiritual, ou seja, humana. Para Aristóteles a alma é um “princípio vital de um corpo organizado”, logo um animal aprazível, ou não, possui alma.
[4] Isso explica, em parte, porque o nosso bispo comunista, como a ele se referia Nelson Rodrigues, usava tanto esse termo usque ad nauseam.
[5]Duas cidades: a celeste é formada pelo amor de Deus até o desprezo de nós mesmos; a cidade terrestre é formada pelo nosso amor próprio elevado até o desprezo de Deus