Momento Cultural: Minha mãe – nos seus 86 anos (Poema) – Por Júlio Siqueira

Que feliz eu sou em poder contemplar,
num êxtase de terno amor e de carinho,
o rosto tão querido, todo arminho,
dessa criatura boa, única, sem par!

Amar-te? Amo-te muito. E sou vaidoso
por seres minha mãe… E tanto é assim
que é um gozo, uma alegria sem fim
que proclamo a toda gente, orgulhoso!

Quero beijar-te as mãos que me abençoam,
ouvir-te a voz, cujas palavras ecoam
num doce misto de ternura e de amor.

porque és a mais bela das criaturas,
daquelas que enchem o mundo de venturas
amando e sorrindo em meio a própria dor!

Por Júlio Siqueira

Momento Cultural: Caveira – por Henrique de Holanda.

Da nudez em que vive na demência,
traduzes bem o desmoronamento.
lar que serviu de abrigo à inteligência
e onde hoje reside o esquecimento.

Outrora tu vivias na opulência:
carne, vaidade, amor, deslumbramento,
beijo, pecado, embriaguez, ardência,
e hoje, de tudo isso, o isolamento.

No mundo, tu viveste mascarada.
Hoje, porém, com a face descarnada,
Tens do teu rosto a máscara caída…

Retrato original da humanidade:
Ressaca para toda a eternidade
depois da grande dança desta vida!…

(Muitas rosas sobre o chão – Henrique de Holanda – pág. 12).

Momento Cultural: PARA MINHA NETINHA – Por Diva Holanda

Plim Plim! Parece conto de fadas
ou mesmo boato infundado
mas, o que é fato é verdade
e não pode ser contestado:

Diva vai ser vovó
ela que parecia querer
ver em Mano um menino
de repente o viu crescer.

Cresceu deu nova vida
a quem não foi programada
mas que será com certeza
das filhas a mais amada.

Nascendo em tempo tão ruim
onde não se tem esperança,
estou apostando em você
minha doce e terna criança.

De você vou ser vovó
de fadas vou lhe falar
vou cantar mesmo sem voz
lindas canções de ninar.

E a vovó que daria
bolões de feijão e amor,
que hoje é da guarda
você vai levar uma flor.

E no seu mundo encantado
com baleias navegando,
sem guerra e sem fuzis
você vai crescendo pesando:

Que Drumond não morreu nunca
Que Deus é bom e perdoa,
Que a vida já é história
De um pensamento que voa.

Diva Holanda 

Momento Cultural: Visitando o Nosso Colégio.

(confrontando Luís Guimarães Filho no seu soneto: “Visita a casa paterna”. Composto para o Colégio Nossa Senhora da Graça na fundação do dia da “ex-aluna”, em 9 de julho de 1947)

Como ao porto quando voltam as jangadas
após bem forte e cerrado temporal,
rever, quisemos, num elo fraternal,
o nosso Colégio de emoções sagradas!

Chegamos!… Ao nosso encontro maternal,
vem Madre Superiora muito amada
que, sorridente, institui, mui dedicada,
da ex-aluna o áureo dia magistral!

Entramos!… – Era esta a sala de estudo!…
Oh! a Capela!… ali, o açude!… e, de tudo,
sentimos que a Saudade a alma nos invade!

Ei-las, as boas Mestras!… as caras companheiras!…
revemos-los, hoje, alegres, prazenteiras…
e, de Gratidão, quem palpitar, não há-de?…

(SILENTE QUIETUDE – ALBERTINA MACIEL DE LAGOS – pág. 42).

Momento Cultural: Canção antiga – por Henrique de Holanda

Eu te amei tanto…
foste meu tudo:
– um lírio da Judéia
que teceu de perfume um manto
e, bem de leve, de mansinho, mudo,
vendou-me os olhos e envolveu-me a ideia…

E como um passarinho esvoaçaste
sobre a minha existência outrora calma.
A mais linda canção tu me ensinaste
porque entraste, cantando, na minh’alma.

Resolveste fugir do meu destino.
Desviaste do meu, o teu caminho
e deixaste, num louco desatino,
meu triste coração sofrer sozinho…

Hoje és somente uma ave sem guarida;
o amargurado sonho que sonhei;
uma folha seca na haste de minha vida,
a cantiga mais triste que cantei…

(Muitas rosas sobre o chão – Henrique de Holanda – pág. 14).

Momento Cultural: APRENDIZ DE MIM – por Valdinete Moura.

Este é meu mundo encantado
no qual você também pode entrar.

Então meu mundo passa a ser nosso.

E, levados pela imaginação poderemos ir
a qualquer lugar
dentro ou fora de nós.
Não conhecemos limites.

Porque Eu sou Eu e
Você seja lá quem for é a
Pessoa mais importante do Mundo
porque é com você que estou agora.

Maria Valdinete de Moura Lima

Momento Cultural: Postal Litúrgico – por Corina de Holanda.

Terra:
Parcela das Maravilhas
Que a Deus aprouve criar,
Mais que os outros astros brilhas,
Como eucarístico altar.

Cruz:
Quando em meus dias sombrios,
Enche a taça de amargor,
Corro a teus braços vazios,
Mesmo assim, flor de bonança –
À Dor lanço desafios
E digo com todo amor:
“Ave, única esperança!”

Eucaristia:
…Fora de Vós tudo é tristeza e treva
Por vossa graça, o pecador se eleva
E com os Anjos se põe em harmonia…
Tudo quanto fizeste me enternece,
Mas, ó Jesus, aos olhos me aparece,
Mais sublime que tudo, a Eucaristia!

1970

(Entre o céu e a Terra – Corina de Holanda – 1972 – pág. 26)

Momento Cultural: Criança – por João do Livramento.

Se a vida fosse

Sorriso de criança

Haveria amor

Haveria esperança

Da criança tenho mel

Dos adultos só o fel

Não mente a criança

Do adulto é herança

Da criança saudade

Do adulto maldade

No mundo a esperança

Provém da criança

Eterno ABC

Que enorme saber

Criança pra sempre

Se queres ser gente

Me deixem a lembrança

Me deixem a criança

Não quero crescer

Não quero sofrer!


João do Livramento.

Momento Cultural: Perto do mar, anoitecia… por Célio Meira.

Perto do mar, anoitecia…

Corria o mês de novembro,

– Era Dia da Bandeira,

fomos ver a lua cheia,

ao lado da ribanceira.

Depois, descemos. Na praia,

ficamos a reparar:

– Havia esteira de prata,

nas águas mansas do mar.

Ali, olhando o mar, a lua,

recebemos a lição:

– Jesus Cristo está presente,

na glória da criação.

(migalhas de poesia – Célio Meira – pág. 25).

O menino sonhador – por Melchisedec

Eram os anos 20, na pacata cidade da Vitória das Tabocas viveu um casal relativamente felizes. Era o seu Jonjon e a Srª Madrezita e tinham um filho chamado Manequinho. Ele era um garoto muito esperto e sonhador, almejava um dia chegar às estrelas para ver de perto o seu tamanho. Ele conhecia Vitória como a palma de sua mão, ia de norte a sul de leste a oeste, subia em árvores para colher seus frutos, caçava como ninguém, era inimigo fidegal dos peixes do rio Tapacurá, capaz de pegá-los à mão e imaginava que se subisse um daqueles morros em volta da cidade, conseguiria pegar as estrelas com as mãos. Decidido, acordou cedinho, tomou café e pegou a estrada, deu meio-dia e nada de Manequinho chegar a montanha, a barriga começou a roncar de fome. Mas, estava decido e via a montanha ali, bem perto, logo chegaria lá, e continuou caminhando rumo ao seu sonho, ao cair da tarde ele não havia chegado lá, sua mente povoada de histórias de assombrações, fruto da conversas de amigos na praça da matriz, sentiu medo, começou a se desesperar e pensou em sua mãezinha em casa sem saber aonde ele estava. E seu pai este lhe daria uma pisa de ficar marcado por muito tempo. No auge do desespero, sentou na estada e começou a rezar, pediu ao santo que ajudasse ele prometia que nunca mais deixaria sua mãe preocupada, e ficou sentado na estrada chorando muito até que passou um senhor em seu cavalo e lhe perguntou: – “Menino o que você fazendo aqui na estrada, chorando? Manequinho responde: “Estou perdido, não sei voltar pra casa”. – “onde você mora? – “Em Vitória”. – “Você não é filho de seu Jonjon?” – “Sim, ele é meu pai”. –“ Vou levar você pra casa”. – “Moço, não diga nada a meu pai, que eu estava perdido. Senão ele vai me dar uma pisar.” – “Está bem, vou deixar você na sua casa e não vou dizer nada a seu pai”. De volta, já em casa, se sentiu aliviado do medo de dormir fora de casa no escuro da estrada. Deu graças a Deus e agradeceu ao santo pro ter salvo sua vida.

Mas, o menino inquieto e cheio de sonhos, continuou querendo voar para bem longe do seu ninho, sua alma ansiava por novas aventuras, sentia que algo o atraia para longe, seu grande sonho era sair de Vitória, conhecer mundos. Certa vez, ficou impressionado ao ver chegar a Vitória um marinheiro e desejou cruzar os mares para conhecer outros países. Mas, tudo isso era impossível por que Vitória não tinha mar e o mar ficava muito distante, como ele poderia chegar longe? Ouviu alguém falar que existia uma tal de aviação, que levava as pessoas para lugares distante. Então pensou, que bom seria ser como os pássaros que voam a hora que querem e vão aonde desejam.

Mas, tudo isso era apenas sonho, porque ele nunca viu um avião. Manequinho sofria muito porque seus sonhos se desfaziam como gelo. D. Madrezita consolava o pobre filho, dizendo que estava juntando um dinheirinho com a venda de seus bolos, para que um dia o filho pudesse ser Doutor. Tudo isso parecia ser muito remoto para Manequinho. Um dia seu pai o levou para Recife para ver de perto o Zepelim. Será que isso é a tal a aviação? Mas é tão grande, parece um monstro dos seus sonhos. E falou: – “Um dia resolveu vou embora de Vitória e vou conhecer essa tal aviação”.

Melchisedec

Momento Cultural: MEUS AMIGOS – Heitor Luiz Carneiro Acioli

Meus amigos, pessoas que me confortam e me levam para um lugar melhor. Amigos são pessoas que considero como irmãos. Amigo é aquela pessoa que podemos contar nossos problemas sem nos preocuparmos. O único ponto negativo é que um dia os amigos se separam. Meu desejo, não, meu pedido, melhor falando, é que sejamos amigos para sempre.

(Meu jeito em Versos e Prosas – Heitor Luiz Carneiro Acioli – pág. 02).

Momento Cultural: A Alvorada – POR GUSTAVO FERRER CARNEIRO

O sol se descortinava na praia
Brilhando em meus olhos
Caminho só
Ar imóvel, quente
Vento assobiando ardente
Com o som da minha respiração
Um monte de pensamentos
Um toque agudo sibilante
Suspirando com prazer
O nascer de um novo dia
Uma alvorada arredia
De momentos de introspecção

Um aroma gostoso de terra molhada
Ou maresia,
Um delicada lua ornamentando o amanhecer
Em uma fantasmagórica poesia,
Plenitude
O vento zunindo
Um sentimento de dignidade
Uma visão do encanto
Insondável graça no rosto
No perplexo momento
Da percepção da vida.

O que ele diz
estará dentro do seu peito
Todo tempo
Para sempre…

Seja longe, seja perto
Não sabemos o exato, o correto
Para tudo tem um tempo

Mas quando será esse tempo certo?

(MOSAICO DE REFLEXÕES – GUSTAVO FERRER CARNEIRO – pág. 14).

Momento Cultural: Ante o Tabernáculo – Por Corina de Holanda.

Contemplando a prisão arquibendita

Onde se oculta o Augusto Sacramento

Pleno de amor meu coração palpita,

Da terra afasto, inteiro, o pensamento.

Insondável mistério! A infinita

Majestade de um Deus, no isolamento,

Nas estreitezas dum sacrário habita…

Terno Jesus! Quão grande é o meu tormento,

Em pensar que não sou como devêra!

– eu quisera, meu Deus, que, como a cera

Que arde feliz tão perto do hostiário,

Meu coração em puro amor ardesse

E à chama desse amor, se derretesse,

Se consumisse à vista do sacrário.

1925.

(Entre o Céu e a Terra – Corina de Holanda – pág. 42).

Momento Cultural: OLHOS AZUIS – Por Rejane Dutra Santos

Olhos azuis que olham pra mim, com tanta pureza.
Que brilham, como um brilhante,
cheios de alegria e de vida.
Você menina dos meus olhos.
Você vida da minha vida.
Ser do meu ser.

De olhos azuis, tão ternos e tão meigos.
Posso até compará-los com a beleza do céu ou do mar.
Você minha filha, ainda um bebê,
que fala comigo, numa linguagem sem som, apenas com brilho.

O brilho dos seus olhos.
Anjo de pureza, reflexo de amor.
Meu belo bebê, minha pequenina filha,
Meu anjo, minha alegria.

Rejane Dutra Santos

MOMENTO CULTURAL: Jaqueira do caminho – por Célio Meira

Olha, Amada, esta jaqueira,
na beira dêste caminho:
– na ponta daquele ramo,
as aves fizeram ninho.

Lembras-te? Certa manhã,
cheia de sol, perfumada,
à sombra da ramaria,
fizemos longa pousada.

Esta jaqueira bem velha,
tem vigor e tem beleza:
– É graça de Deus na terra,
– É benção da Natureza.

(migalhas de poesia – Célio Meira – pág. 21).

Momento Cultural: O Menino Sonhador – por  Melchisedec

Eram os anos 20, na pacata cidade da Vitória das Tabocas viveu um casal relativamente felizes. Era o seu Jonjon e a Srª Madrezita e tinham um filho chamado Manequinho. Ele era um garoto muito esperto e sonhador, almejava um dia chegar às estrelas para ver de perto o seu tamanho. Ele conhecia Vitória como a palma de sua mão, ia de norte a sul de leste a oeste, subia em árvores para colher seus frutos, caçava como ninguém, era inimigo fidegal dos peixes do rio Tapacurá, capaz de pegá-los à mão e imaginava que se subisse um daqueles morros em volta da cidade, conseguiria pegar as estrelas com as mãos. Decidido, acordou cedinho, tomou café e pegou a estrada, deu meio-dia e nada de Manequinho chegar a montanha, a barriga começou a roncar de fome. Mas, estava decido e via a montanha ali, bem perto, logo chegaria lá, e continuou caminhando rumo ao seu sonho, ao cair da tarde ele não havia chegado lá, sua mente povoada de histórias de assombrações, fruto da conversas de amigos na praça da matriz, sentiu medo, começou a se desesperar e pensou em sua mãezinha em casa sem saber aonde ele estava. E seu pai este lhe daria uma pisa de ficar marcado por muito tempo. No auge do desespero, sentou na estada e começou a rezar, pediu ao santo que ajudasse ele prometia que nunca mais deixaria sua mãe preocupada, e ficou sentado na estrada chorando muito até que passou um senhor em seu cavalo e lhe perguntou: – “Menino o que você fazendo aqui na estrada, chorando? Manequinho responde: “Estou perdido, não sei voltar pra casa”. – “onde você mora? – “Em Vitória”. – “Você não é filho de seu Jonjon?” – “Sim, ele é meu pai”. –“ Vou levar você pra casa”. – “Moço, não diga nada a meu pai, que eu estava perdido. Senão ele vai me dar uma pisar.” – “Está bem, vou deixar você na sua casa e não vou dizer nada a seu pai”. De volta, já em casa, se sentiu aliviado do medo de dormir fora de casa no escuro da estrada. Deu graças a Deus e agradeceu ao santo pro ter salvo sua vida.

Mas, o menino inquieto e cheio de sonhos, continuou querendo voar para bem longe do seu ninho, sua alma ansiava por novas aventuras, sentia que algo o atraia para longe, seu grande sonho era sair de Vitória, conhecer mundos. Certa vez, ficou impressionado ao ver chegar a Vitória um marinheiro e desejou cruzar os mares para conhecer outros países. Mas, tudo isso era impossível por que Vitória não tinha mar e o mar ficava muito distante, como ele poderia chegar longe? Ouviu alguém falar que existia uma tal de aviação, que levava as pessoas para lugares distante. Então pensou, que bom seria ser como os pássaros que voam a hora que querem e vão aonde desejam.

Mas, tudo isso era apenas sonho, porque ele nunca viu um avião. Manequinho sofria muito porque seus sonhos se desfaziam como gelo. D. Madrezita consolava o pobre filho, dizendo que estava juntando um dinheirinho com a venda de seus bolos, para que um dia o filho pudesse ser Doutor. Tudo isso parecia ser muito remoto para Manequinho. Um dia seu pai o levou para Recife para ver de perto o Zepelim. Será que isso é a tal a aviação? Mas é tão grande, parece um monstro dos seus sonhos. E falou: – “Um dia resolveu vou embora de Vitória e vou conhecer essa tal aviação”.

Melchisedec

 

Momento Cultural: A Vaquejada – por STEPHEN BELTRÃO‏

Hoje tem vaquejada,

Grita alegre o locutor,

Vamos derrubar o boi,

Mostrar o nosso valor.

Hoje tem festa de vaqueiro,

Vamos cantar, comer, aplaudir.

Rir da desgraça do bicho!

Não percam a melhor parte:

A hora que o boi cair.

Vamos tirar o couro do infortunado,

Fazer o animal correr assombrado.

Vamos colocá-lo para comer areia,

Ferrar a cara do danado.

Usar as esporas sem piedade,

Levantar o coitado pelo rabo.

Lembre-se: na hora da queda,

Quando o infeliz estiver esfolado

Sorria, você está sendo filmado!

Vamos dar um grande prêmio

À melhor parelha de vaqueiros.

Ao que nos der maior prazer,

Daremos medalha, troféu e dinheiro!

Vamos levar nossos filhos,

Apresentá-los os nossos festejos,

Mostrar como nós ficamos felizes,

Quando maltratamos os animais,

Mansos, inocentes e indefesos!

Momento Cultural: LEMBRANÇAS DO BAIRRO JARDIM SANTO INÁCIO – por Lucivanio Jatobá

A insatisfação de minha mãe por estar morando no Jardim Santo Inácio, em Vitória de Santo Antão, longe de tudo, ouvindo incessantemente canto de grilo e coachar de sapos à noite, era visível. Irritava-se, reclamava a todo instante. O Ateneu Santo Antão ficava no extremo leste da cidade. A feira afastada. O cinema Iracema numa distância danada. Queria ir ao comércio comprar lantejoulas, mas ficava na dependência da boa vontade e do tempo de meu pai. Era preciso sair dali. Não aguentava aquele retiro.
– Emídio, consiga uma casa na cidade para a gente sair daqui!- dizia quase como uma súplica.

Meu pai fazia ouvido de mercador. Gostava dali, daquela calma, daquele cheiro de mato, do ar meio campestre. A perspectiva de sair dali não me agradava em nada, também A exemplo de meu pai, adorava aquele lugar. Por que teria de sair dali? E mais, depois que meu pai comprou aquele galo-de-campina e também um canário da terra, apareciam no quintal outros canários, galos-de-campina e patativas.
Meu pai, que tinha uma paixão por passarinhos, adquirida lá em Passagem do Tó, providenciou logo a compra de um alçapão e me ensinou como fazer para pegar passarinhos. Aquilo passou a fascinar-me. Ficava agora, durante as aulas do Ateneu, com o pensamento longe. Profa. Maria Aragão ensinando o que era um substantivo e eu pensando num canário pousando na
gaiola e entrando para comer alpiste no alçapão. Poft! O alçapão se fechava e mais um pássaro perderia a liberdade e cantaria, agora, de revolta, para deleite de nossos ouvidos.

Peguei várias patativas e canários. Não consegui prender nem ao menos um galo-de-campina. Era um pássaro mais sabido e arisco; não se deixava seduzir por alpiste gratuito depositado em alçapão.
Minhas tardes passaram a ficar mais movimentadas. A espera que um novo passarinho surgisse no quintal me deixava gostosamente inquieto. Escondia-me por entre as bananeiras, juntamente com Nono, com a esperança de que pelo menos um canário despontasse.

Num certo finalzinho de tarde, apareceu, por aquelas bandas, um casal de canários lindos. O cantar de um deles tinia no espaço. O canário de meu pai respondia, como se quisesse alertá-los do perigo que corriam, ou talvez numa competição da qual pouco entendia. A minha ansiedade de capturar os dois ou pelo menos um era incontrolável. Armei o alçapão e aguardei o desfecho. A disputa de canto impressionava. O silêncio era mortal, às vezes quebrado apenas pelo urro melancólico de uma das vacas de seu Zé de Souza! Depois de uma espera nervosa, um dos canários chegou próximo da gaiola, instalando-se num galho de um pé de limão. Cessaram os cantos. O pássaro livre mirava o pássaro prisioneiro. O pássaro prisioneiro voava de um lado para o outro da gaiola, agitadamente. Nono observava calado do meu lado. Meus olhos ficavam centrados no alçapão. Falava comigo mesmo, em pensamento:
– Vai, entra no alçapão, canarinho! Entra!!!!!!

O canário livre examinava a área, percebia o alpiste à disposição. O outro preso agitava-se. De repente, o canário livre pousa sobre a gaiola, silenciosamente. Depois se desloca para a tampa do alçapão. Bastaria um pulo para dentro e adeus liberdade! Que ansiedade aquilo me gerava. Mas ele haveria de pular.
O canário prisioneiro começara novamente a se agitar. Agora,parecia querer lutar pelo território dele, aquela mísera e minúscula gaiola. Que estranho. Como entender que estivesse querendo defender sua prisão. Sei lá…

– Vai , canarinho! Pula dentro do alçapão! Vai!
A minha solicitação mental parecia estar funcionando. O canário começou a olhar mais firmemente para o interior do alçapão. A fome parecia impor-lhe uma ousadia. Parecia estar perdendo o medo do desconhecido. Pensei: vai ser agora…! Já estava me preparando para a carreira e para dar o grito da vitória, quando subitamente aparece Formosina e berra:

-Vaninho e Nono!!!!! Venham tomar uma vitamina de banana e saiam daí dessas bananeiras, pois pode ter cobra”!!!!!!

O canário deu um vôo alto e veloz, logo acompanhado pela companheira. Não perdera a liberdade. Sumiram pelo ar de maneira surpreendente. Caí no choro e não quis saber de vitamina nenhuma!
Passei uns dias amuado e com cara feia para Formosina.

( Capítulo 16 do livro Os Caminhos na Terra das Tabocas, de Lucivãnio Jatobá. Recife: Editora Elógica, 2010 )

CENTENÁRIO DE MELCHISEDEC- Severino Militão de Oliveira – por Ilka Carvalho.

Domingo 10 de março de 2019 – Hoje lembramos o nascimento daquele que foi mais um apaixonado por sua cidade natal. Aquele que, em plena segunda feira e há exatos 100 anos, na Rua Barão da Escada, número 49, nascia na cidade da Vitória de Santo Antão, como décimo sétimo filho do farmacêutico José Cunegundes de Oliveira e de Pastora da Conceição Portela.

O Sol declinava no horizonte, a luz do dia se apagava e as luzes da cidade eram acesas. A noite parecia calma, mais só parecia. De repente, um corre-corre e um nervosismo se fazia perceber. Vai nascer! Chama parteira! Começa todo um preparativo para a chegada de mais um Oliveira. Ferve água, bacias, panos limpos, tudo a posto. Suas tias e irmãs mais velhas se postam no chão e rezam para que tudo corra bem. A comoção se devia ao estado de saúde da mãe Pastora, que acometida pela febre espanhola, colocava em risco sua própria vida e a vida do filho. A mãe então, como último recurso apela ao poder divino, e oferece o filho ao serviço do Pai. As horas passam, a tensão cresce, a escuridão da noite começa a declinar quando, aos 00:15 minutos da madrugada do  dia 10 de marco de 1919 um choro ecoa no ar. É o menino Severino Militão de Oliveira chegando. E a despeito de todos os prognósticos o menino nasce e sobrevive.

Se sentindo estrangeiro em sua própria casa, crescia Severino, saúde frágil mais muito inteligente, criou com pedaços de filmes que colhia no lixo dos cinemas da cidade, seu próprio cinema. E no quintal de sua casa ele exibia as fitas para seus amigos de infância.

Menino travesso, sempre aprontava das suas. E depois, pernas pra quem te quero. Mas, nem sempre conseguia fugir aos castigos. Uma de suas estratégias de fuga era subir a meia parede que separava os cômodos de sua casa, onde ele se empoleirava para não ser pego, pois sabia que nas alturas jamais seria alcançado para os castigos corporais. Ali podia ficar bem longe dos adultos. – “Desce menino!”… chamava a mãe. E o menino Severino não dava ouvidos aos apelos dos mais velhos e ali permanecia por longos e longos tempos até o cair da noite quando todos os ânimos se arrefeciam e a pisa era adiada, porém, nem sempre esquecida.

Mas, esse menino, irrequieto por natureza, tinha visões. Visões de seres estranhos ao seu convívio e tinha medo. Tinha medo porque não conhecia e nem compreendia o que via. Desde criança possuía o dom da vidência.

Ele era o próprio – “Menino sonhador”, aquele que saiu de casa para pegar estrelas com as mãos.

E de fato aos 14 anos o menino sonhador saiu da Vitória e alçou vôo por outras paragens e tornou-se um homem determinado e de ação, para então, 70 anos após sua saída, voltar a sua cidade natal e criar a Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciência.

Ilka C. Gomes de Sá Oliveira