Carnaval de Orquestra, Carnaval de Trio.

Todo ano, surge essa discussão. Obviamente que, se a invenção de Dodô e Osmar não houvesse se espalhado por outras regiões, não haveria essa celeuma entre os ritmos regionais. Mas, marketing é marketing. A mídia apoiou e a praga se disseminou. O que não aconteceu com o frevo pernambucano, que não se difundiu e, portanto, ficou um espetáculo doméstico, de nossas tradições e de nossas plagas. Evidentemente que, se o Trio pegou o universo adolescente, passou a fazer parte de sua história. Resta, apenas, preservar o Carnaval tradicional, com execução de nossas músicas, do ritmo mais genuinamente nacional – segundo Gilberto Freyre – que é o “frevo”. Afinal, não devemos sepultar nossas tradições, nossa cultura, em nome de produtos importados. Vale ressaltar, no entanto, que essa convivência deve ser pacífica, não resvalar para aquele posicionamento radical e binário: ou isso, ou aquilo. O respeito deve imperar, em nome do humanismo. O radicalismo exacerbado é o prelúdio do fundamentalismo intolerante. E se o Carnaval de Trio passar – tenham certeza – surgirá coisa mais estranha aos admiradores dos velhos Carnavais, o Carnaval das orquestras de frevo. Sempre haverá esse choque, entre gerações, difícil de administrar, tendo como único caminho a tolerância e o diálogo. É como aquela velha polêmica: o que é melhor, The Fevers, ou Calcinha Preta? O que sabemos é que The Fevers parece ser eterno. Ainda hoje, toca. Não sabemos, evidentemente, se o forró eletrônico permanecerá, ao longo de tantas décadas, a tocar. O que promove certa reação é que a música está se traduzindo em ensurdecedores batuques, sem variantes, sem literatura, como se a arte estivesse em crise, ou o verdadeiro artista, aquele reconhecidamente inspirado, estivesse em extinção. Essa melancólica constatação merece especial abordagem, pois os sublimes valores do ser humano devem ser preservados, o que sempre o distinguirá dos demais seres vivos do planeta.

Sosígenes Bittencourt

CAPIBA NO CÉU – por Sosígenes Bittencourt.

Lourenço da Fonseca Barbosa
* Surubim: 1904
+ Recife: 1997
Capiba chega ao céu.
Sorridente e de braços abertos, penetra sem kit
no bloco de Nelson Ferreira, Irmãos Valença e Felinho.
Ao som de Vassourinhas, de Matias da Rocha e Joana Batista,
os anjos danam-se a frev(o)ar e plumas caem.
Vem um ente traquinas e seringa cloreto de etila no ar.
O folguedo, alegre e saltitante, vai circulando um salão de nuvens
e volatiliza-se sob uma neblina de papéis picados.

Sosígenes Bittencourt

Retrospectiva – Carnaval 2011 – Senhor Lama – por Sosígenes Bittencourt

Este é o insuportavelmente emporcalhado Senhor Lama. É pouco investimento e muita criatividade. De aspecto sebosíssimo, dependendo da origem da lama, deve feder pra caramba. A resistência da pele é de desmoralizar as teses e avaliações dermatológicas mais profundas. Feito o alcoólatra que é condenado pela Medicina, e o médico morre primeiro.

Em suma, em tempo de crise financeira, Medalha de Barro para folião de tanta imaginação.
Enlameado abraço!

Sosígenes Bittencourt

Decálogo das proibições de Carnaval – por Sosígenes Bittencourt.

Chamar pela mãe do próximo, quer precise, quer não precise.
Beber fiado no Sábado de Zé Pereira e assinar vale nas cinzas.
Pular o frevo com os pés à altura do rosto do adversário.
Arengar com a Polícia.
Jogar fezes e urina nos olhos do analista.
Vender cerveja quente em copo de geleia e sanduíche de pão dormido com mortadela de matéria plástica.
Fazer-se de bêbado para tirar enxerimento com o Rei Momo.
Motorista sem cabeça dirigir carro sem capota.
Cheirar loló sem tirar a pressão arterial.
Guardar lugar nas cinzas penitenciais, quem enviou alguém às areias cemiteriais.

Sosígenes Bittencourt

Treinamento para o Ano Novo

Se você quiser abrir uma poupança a partir do dia 1 de janeiro, é provável que nada aconteça. Você tem que começar agora. Entre numa loja, com tudo que você deseja, e tente controlar os seus desejos. Se obtiver êxito, poderá estar começando a poupar. Poupança é fruto de autocontrole, moderação, temperança. Dinheiro não é garantia de felicidade, mas falta de dinheiro tem feito muito mortal infeliz.

Sosígenes Bittencourt

OS RISCOS DA BELEZA – por Sosígenes Bittencourt.

Gatinhos mimosos também largam pelos e podem provocar alergia. As flores mais aromáticas podem abrigar minúsculos insetos entre suas pétalas.

Lúcifer era tão vaidoso que preferiu ser Rei no Inferno do que servo no Céu.Segundo a lógica, Lúcifer é deslumbrantemente lindo. Senão não conseguiria iludir suas vítimas, seduzi-las, arrebanhar operários para suas oficinas.

Lúcifer comete o pecado da Vaidade, aquele que despreza a obra do Criador. Vaidade é Pecado Capital, porque considera a beleza, a riqueza e a inteligência como bens próprios e, sem Deus, convertidos em instrumentos para humilhar o seu semelhante.

Pecado Capital é aquele que gera pecado. Num exemplo, o homicídio é um pecado, mas a Ira é Pecado Capital porque gera o homicídio.

Sosígenes Bittencourt

SOBRE A BREVIDADE DA VIDA – por Sosígenes Bittencourt

O ser humano é um animal sem solução. Ele tem sempre a impressão de que há algo de errado consigo mesmo. Sobretudo quando submetido à angústia de que a morte é o horizonte da vida.

Todo ser humano tem um livro escrito na memória que vai folheando, folheando… Às vezes, desprende um aroma. É o passado intrometendo-se na vida da gente, o passado sempre presente. O passado que se alonga, e o futuro que vai se tornando cada vez mais curto.

A brevidade da vida relembra o poeta romano Horácio (65 – 8 a.C.), agoniado com a fugacidade do tempo: Eheu! fugaces labuntur anni!: Ai de nós! os anos correm céleres.

Tudo que nos mantém vivos, nos mata. Sem o oxigênio, morreríamos; por causa do oxigênio, morreremos. Sem colesterol, morreríamos; por causa do colesterol, morreremos. Se não comêssemos, morreríamos; porque comemos, morreremos. Tudo que nos faz viver corrói a vida. Tudo que auxilia na vida, auxilia na morte.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) referiu-se ao tempo de vida: Um minuto de vida é idade suficiente para morrer.

Efêmero abraço!

Sosígenes Bittencourt

Trio e Frevo – por Sosígenes Bittencourt.

Bom salientar, pessoal, que a história do TRIO ELÉTRICO começa em Salvador, em 1951, quando DODÓ e OSMAR contratam outro músico, formando um trio, e saem em cima de uma FUBICA tocando FREVO PERNAMBUCANO. Era uma homenagem ao que aconteceu no ano anterior, 1950, quando um bloco de Recife parou o Carnaval Baiano com um show de execução de FREVO. Com a palavra MORAES MOREIRA: E o frevo que é pernambucano, ui, ui, ui, ui / Sofreu ao chegar na Bahia, ai, ai, ai, ai / Um toque, um sotaque baiano, ui, ui, ui, ui / Pintou uma nova energia, ai, ai, ai, ai

Agora, se hoje nós tocamos AXÉ, e eles não tocam nosso FREVO, isso é problema nosso.

Sosígenes Bittencourt

Minha fantasia – por Sosígenes Bittencourt

Minha fantasia é barata, porque é natural. Não precisa de patrocínio ou investimento, a natureza já se encarregou de me fantasiar. Embora, sem neto ainda, sou o avô das meninas, sobretudo das solteironas casadoiras e separadas esperançosas. A música que canto nos ambientes por onde passo é a modinha de finado Capiba, MODELOS DE VERÃO.

Quanta mulher bonita
tem aqui neste salão
parece até desfile de modelos de verão
até as viuvinhas do artista James Dean
vieram incorporadas
hoje a noite está pra mim!
Eu daqui não saio,
eu não vou embora,
tanta mulher bonita
e minha mãe sem nora.

Sosígenes Bittencourt

ONDE ESTÁ A POESIA? – por Sosígenes Bittencourt

O poema é a poesia contada.

O poema é a linguagem da poesia.

A música é a poesia tocada.

A música é o som da poesia.

A pintura é a poesia pintada.

A pintura é a cor da poesia.

O teatro é a poesia encenada.

O teatro é o movimento da poesia.

A escultura é a poesia esculpida.

A escultura é o contorno da poesia.

E o artista é a revelação da poesia.

Sosígenes Bittencourt

No tempo de eu menino – por Sosígenes Bittencourt.

A castanha é um mimo da natureza que mais se acumplicia com a nossa infância, o seu sumo, o seu aroma, o seu formato, o seu sabor, sua fumaça quando explode no fogaréu.

O caju também. Caju vermelhinho, amarelinho, rechonchudo e de delicada protuberância, que nem peito de moça desabrochando.

Em meus devaneios poético-sofístico-dramáticos, quando mastigo castanha assada, é como se mastigasse quintais ou inalasse a década de 60. Assim como sinto uma sensação de funeral quando polvilho orégano e associo quiabo a seis horas da noite. Sou um fuxiqueiro de minhas sinestesias poéticas.

Fundo de quintal foi tudo na minha infância. Era o meu paraíso. A ventania, o alvoroço das árvores, o cricrilar dos grilos em sintonia com o tremeluzir das estrelas. O cheiro de perfume e cigarro que escalava a ladeira do cabaré lá embaixo. Reunião de gatos, o desfile das galinhas… Fundo de quintal foi a minha primeira aula de leitura do mundo.

Sosígenes Bittencourt

Saudade Gostosa – por Sosígenes Bittencourt

Uma amiga do peito (ab imo pectore) postou no facebook que estava sentindo uma “saudade gostosa” no primeiro domingo do ano. Pois bem…

Saudade gostosa é poesia, é uma embriaguez natural, promovida por “droga” cerebral. O nosso sistema límbico é responsável pela memória emocional, por isso choramos nos sepultamentos.

O romancista francês Victor Hugo (1802-1885) definia a Melancolia como “a felicidade de ser triste”.  Eu preferiria dizer que a Melancolia é a alegria de ESTAR triste. Porque SER triste não me parece sinônimo de Felicidade.

Já o jornalista e escritor carioca Carlos Heitor Cony, refletindo sobre o tema, revelou seu sentimento: Nostalgia é saudade do que vivi, melancolia é saudade do que não vivi.

Sosígenes Bittencourt

Brother é Brother – por Sosígenes Bittencourt.

Se você se juntar com uma mulher e se deitar na calçada, debaixo de um lençol, e confeccionar uma cópula, pode contar com a presença da Polícia. Você será recambiado, a bordo de camburão, até a Delegacia, para responder por Crime de ATO OBSCENO, podendo pegar de 3 meses a 1 ano de xilindró. Mas, se você se juntar com uma mulher para fazer a mesma munganga, diante de uma câmera, para o mundo todo assistir, será considerado um BROTHER e poderá pegar até 1 milhão de reais.

Sosígenes Bittencourt

CARNAVAL E CONFUSÃO – por Sosígenes Bittencourt.

Cuidado para você não pensar que está brincando Carnaval e estar mergulhado numa Confusão. Há quem brinque Carnaval para se DISTRAIR, e há quem brinque Carnaval para se DESTRUIR.

Essa semana, desfilou um bloco que não parecia estar brincando Carnaval, parecia estar ensaiando uma Confusão. O som era ensurdecedor, e ninguém entendia o que o conjunto cantava. Uma récua de bêbados ladrava palavrão e gesticulava pornografia, acompanhada pela Polícia, de cassetete em punho, já na posição de aprumar o esqueleto da macacada.

Cuidado para não confundir liberdade de expressão com constrangimento moral. A liberdade termina onde começa o direito do outro.

Por exemplo:

Mulher nua, para quem quer ver, é opção;

mulher nua, para quem não quer ver, é imposição.

Mulher nua, para quem deseja, é divertimento;

mulher nua, para quem não deseja, é enxerimento.

Mulher nua, entre casal, é Carnaval;

mulher nua, no meio da rua, é bacanal.

Confuso abraço!

Sosígenes Bittencourt

Santo Antão do Deserto – por Sosígenes Bittencourt.

Santo Antão (251-356) foi um santo cristão do Egito, considerado santo em carne viva, pelos milagres que operou. Foi um anacoreta que seguiu à risca o Evangelho, doando todos os bens que possuía e recolhendo-se no deserto. Por isso, é considerado protetor dos desafortunados. Mas, Santo Antão tem uma particularidade. Ele foi tentado pelo Demônio à exaustão e não caiu em tentação. Durante 80 anos, o Demônio fez toda sorte de macaquice e não teve jeito. Daí, ser considerado o Pai de Todos os Monges. A Igreja Católica Ortodoxa Romana festeja sua figura milagrosa no dia 17 de janeiro. Amém!

Sosígenes Bittencourt