Os baobás da Portela e de Ponte d`Uchoa, símbolos de resistência – por Marcus Prado.


Nunca será demais repetir que só se pode compreender a África Negra, a Mãe África, por toda a sua extensão, trazendo as suas lendas, a sua história milenar, seu universo, a sua natureza em pormenores, sem os quais não se constrói a síntese de um povo com todos os seus haveres.

Entre os símbolos africanos, não só do sagrado e das crenças, destaca-se o baobá, a árvore que possui dezenas de denominações, uma delas, a Árvore da Vida, exaltada por mais de 200 milhões de pessoas que se identificam como afrodescendentes nas Américas.

No Brasil, há o maior número de pessoas de ascendência africana fora de seu continente, sendo no estado de Pernambuco onde mais veremos baobás centenários, depois da África continental, conforme o livro Pernambuco, jardim de baobás, de Antônio Campos, para o qual produzi cerca de 300 fotos. De Igarassu ao Sertão do Araripe, não teve cidade possuidora de baobás que deixasse de figurar nesse projeto editorial, a começar pelo Município de Ipojuca e suas praias, berço das primeiras sementes de baobás em Pernambuco.

No Carnaval carioca fora de época, no mês de abril, a famosa Escola de Samba Portela trouxe para desfile na Marquês do Sapucaí uma exaltação, de beleza singular, às lendas africanas do baobá, uma história bem contada nos detalhes do Samba Enredo, de resistência, longevidade, sobrevivência e de raízes profundas. “Vai ser uma representação com garbo, disse a carnavalesca responsável pela alegoria da Portela, com a certeza daquilo que verga mas não quebra”. Faz lembrar, para quem não conhece a narrativa de Antônio Campos, o baobá centenário de Ponte d`Uchoa, do Recife, o mais emblemático de Pernambuco, por certo do Brasil.

Plantado à beira do rio que banha a cidade, tem as suas raízes ameaçadas, o tronco inteiro, pelas águas furiosas, em épocas de chuvas intensas e cheias. Chegam a deixa-lo inclinado, dá a impressão de que ás águas vão triunfar, mas não conseguem. A interação das suas raízes com a força do seu tronco, energia de inexplicável vigor, e com o que de sagrado nele se perpetua, não encontra semelhança no reino arbóreo. Isso poderia ser dito no Carnaval da Portela, mas seria exigir demais de uma Escola de Samba que deu verdadeiro show de beleza, luxo de alegorias e fantasias.

E o que dizer daquela muda de baobá plantada sobre a terra nua, em Igarassu, na comunidade religiosa Focolari? No livro de Antônio Campos há descrição de um trator que passou suas lâminas sobre a planta na façanha germinadora da vida, para abrir um pequeno caminho interno. Foi dada como morta na uberdade da terra, e houve uma grande tristeza na comunidade religiosa. Um mês depois, o milagre aconteceu, eis que a semente do baobá deu sinal de vida e hoje é uma bela árvore, que poderá contar a sua história daqui a três mil anos, a exemplo de outros de sua espécie da savana africana, cenário inspirador de O Pequeno Príncipe, de Saint Exupery.

O mundo contemporâneo precisa valorizar os seus grandes símbolos, principalmente os de resistência, os que trazem revivescências. Na Bienal Internacional de Artes de Veneza, que terá duração até o mês de setembro, vale a pena conhecer os pavilhões da Rússia e da Ucrânia, no mesmo ambiente, com seus artistas e curadores convivendo em perfeita harmonia, não apenas de forma simbólica, longe das ideologias e do ódio. As bienais de arte, às vezes, trazem uma carga muito forte de símbolos, não só entre o que se mostram nas paredes e pavilhões.

Os aros, símbolos dos Jogos Olímpicos, nas cores azul, amarelo, preto, verde e vermelho, interligados sobre um fundo branco, que representam a união dos cinco continentes, podem ser associados, nesta hora de conflitos entre as nações, a um dos símbolos contemporâneos mais representativos. Pena que esses aros caiam em desuso horas depois das Olimpíadas. A Ilíada, de Homero, tem uma intenção clara e definida: espelhar o modelo, por meio de símbolos e metáforas, do homem a ser imitado pelo povo Grego. O ideal de Belo e Bom, encarnado no personagem Heitor, um guerreiro que, por atuar em vários âmbitos, torna-se capaz de representar o maior número possível de personagens e símbolos presentes no épico. Heitor, um vulto homérico inesquecível, é cercado de símbolos, isto também porque era amado pelos deuses.

PS: Na Vitória de Santo Antão o único BAOBÁ que conheço é o do Engenho Galileia.

Marcus Prado – Jornalista PARA O BLOG DE PILAKO.

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