“UM OLHAR MAIS ATENTO SOBRE A DOUTORA VALDENICE RAIMUNDO” – por José Edalvo

Em resposta ao comentário “Internauta Manoel Carlos comenta no blog” de Manoel Carlos.

Ao ler ontem (31), neste conceituado veículo eletrônico de comunicação tão bem dirigido pelo talento jornalístico do confrade Cristiano Pilako, matéria assinada pelo dileto amigo e notável vitoriense Manoel Carlos, fiquei deveras perplexo. Não pelas idéias nele defendidas, mas pela infeliz maneira como foram expressas. Por imperativo de consciência e senso de justiça, automaticamente pensei em contestá-lo. Porém, não o faria, talvez, não fosse o autor da matéria um ex-colega de Faculdade por quem tenho o maior apreço e há muito nutro por ele imensurável estima. Assim ocorrendo, valho-me desta grande amizade para tomar a iniciativa de cometer este artigo contestatório, que passo a registrar a seguir:

Suscitou o texto do amigo Manoel Carlos, uma crônica assinada pela vitoriense ilustre, Doutora em Serviço Social, Valdenice José Raimundo, colunista deste blog, sobre “Discriminação Positiva”, na qual ela defende, entre outras coisas, a política pública de “quotas para negros”…

Detentor de opinião contrária, o que é direito natural do ser humano no exercício do livre pensar, o amigo Manoel Carlos, no seu infeliz comentário, partiu para o ataque à sua oponente de idéias, com palavras no mínimo deselegantes – para não dizer grosseiras – e, sobretudo, profundamente injustas.

O Filósofo iluminista francês Voltaire, um dos pensadores que mais influenciaram a revolução francesa, disse certa vez: “Eu posso não concordar com a sua opinião, mas, se necessário for, lutarei até a morte para defender o seu direito de expressá-la.”

Desferindo flechadas verbais de pontuação contundente em direção à Doutora Valdenice, o amigo parece caminhar na contramão do pensamento “voltariano”.

Doutora – assim iniciou o seu infeliz posicionamento o amigo Manoel Carlos – me parece que a senhora, bem como todo o movimento negro, padece de uma extrema síndrome de autonegação (…).” E mais adiante estereotipou: “A senhora se vitimiza, não se aceita, como boa parte das pessoas negras que conheço.”

Permita-me dizer-lhe, amigo Manoel Carlos, que certamente você não conhece a Doutora Valdenice. Tenho a convicção de que o amigo, sequer vem acompanhando as suas crônicas publicadas com freqüência nesse blog. Eu, por exemplo, nunca tive contato pessoal com ela. Porém, só de acompanhar atentamente seus escritos, já identifico as curvas de suas vogais na trilha corajosa da defesa das mulheres injustiçadas, das crianças carentes, das minorias agredidas, dos desafortunados pelo destino de nascer nas periferias de um país socialmente injusto.

Com a sensibilidade que sei que o amigo possui, se procurar nas entrelinhas de suas crônicas, verá a sua capacidade de indignar-se com a perversa distribuição de renda do nosso país, com a corrupção de costumes, com a pilhagem desenfreada do bem público, com o descaso para com os indefesos, enfim, com a sua luta permanente por um mundo melhor.

Observando o seu forte e já inconfundível traço na escrita, você há de identificar que a Doutora Valdenice é uma mulher Guerreira, um exemplo de resiliência, um modelo de superação, uma defensora intransigente da democracia e da liberdade, uma pessoa humana dotada de acentuada coragem cívica e dignidade cristã.

Entrando agora no mérito da questão em tela, o estimado amigo assim se expressou em determinado trecho da matéria:

“Resolva-se a pobreza e “todos” os negros deixarão as favelas.”…

É de bom alvitre ressaltar nesta oportunidade, que eu mesmo, durante muito tempo, defendia a assertiva de que o único preconceito existente no Brasil era quanto a posição de baixo nível na pirâmide econômica e, conseqüentemente, na escala social. Porém, posteriormente, passei a fazer-me o seguinte questionamento: Ora, se para ser respeitado, via de regra, pela sociedade, o negro, o cadeirante, o homossexual e outras minorias e maiorias precisam ter poder econômico, este fato, por si só, já fornece um claro atestado de que existe sim segregação racial, social, etc. no Brasil, embora proibido por lei. A propósito, no último domingo (29), um programa de TV de grande audiência mostrava que no nosso país ainda existem pessoas – e infelizmente não são poucas – que não entram em um elevador no qual se encontre alguém de pele negra. Veja só que estupidez tamanha!

Por outro lado, não se pode negar ou jogar embaixo do tapete a grande dívida social que o Brasil tem para com os afro-descendentes desde a sua chegada ao país, ampliada no processo de libertação dos escravos, o qual, dissociado de uma ampla reforma agrária, deixou-os entregue a um novo infortúnio, sem a menor possibilidade de sobrevivência digna após a promulgação da Lei Áurea, cujas conseqüências repercutem até os dias atuais na qualidade de vida dos seus descentes.

Olhando sob esse prisma, cabe a todos nós uma melhor reflexão sobre a política de quotas, a qual eu mesmo faço restrições, porém, reconheço que não temos, no momento, nenhuma política pública melhor ao nosso alcance que possa substituí-la atingindo as mesmas metas.

Diante do exposto, para finalizar este artigo, quero convocar o amigo Manoel Carlos a uma reparação à “grosseria verbal” dirigida à Doutora Valdenice.

Sobre o amigo Manoel Carlos devo acrescentar que conheço muitas de suas inúmeras virtudes, entre as quais, o seu espírito cristão, a humildade que orna a sua personalidade de grande ser humano e a sua capacidade de redimir-se de falhas, principalmente quando involuntárias, como no caso em tela. (Estou certo de que não foi sua intenção ferir a Doutora Valdenice).

Por tudo isto, creio que, com um olhar mais atento, o mesmo perceberá que a Doutora Valdenice é uma pessoa que não apenas se preocupa com os que sofrem toda a sorte de segregação e injustiça. Mais que isto, ela, como eu e você dileto amigo, é uma verdadeira baluarte na busca permanente de uma ordem social justa e estável.

EM TEMPO : Aproveito o ensejo para parabenizar o amigo Pilako por abrir espaço em seu blog para o bom debate, cujo blog é hoje um dos melhores referenciais da imprensa vitoriense, contribuindo sobremodo para a edificação de uma cidade mais pujante e comprometido com os mais legítimos anseios da sociedade vitoriense.


JOSÉ EDALVO
Diretor do Jornal da Vitória

3 pensou em ““UM OLHAR MAIS ATENTO SOBRE A DOUTORA VALDENICE RAIMUNDO” – por José Edalvo

  1. Dra. Valdenice é membro do nosso Instituto Histórico e Geográfico o que muito nos honra. Ela é, como disse o amigo Edalvo, uma guerreira, sobretudo um exemplo para a nova geração. Valdenice fez todo seu curso primário e secundário em em escola pública. Curso superior na UFPE. Mestrado e doutorado, na UFPE.
    Repito, aluna de estabelecimento público tôda sua vida. Parabens Valdenice, parabéns Edalvo e parabéns, em especial, ao Instituto Histórico que ganhou uma sócia da estipe de doutora Valdenice.

  2. Caro amigo José Edalvo, não havia tomado conhecimento desta discussão em torno da matéria postada pela doutora Valdenice Raimundo, vejo que você conhece muito bem o Sr. Manoel Carlos, de modo que, como bom sofista que você é, usou toda a sua retórica, para persuadi-lo à abandonar a ideia da negação do racismo, que ainda é bastante forte em nossa sociedade. E dizer que ele não existe, ou não dar a devida atenção ao tema, é a primeira fala dos que lá no seu íntimo, cultivam este pérfido sentimento. Quanto a doutora Valdenice Raimundo, a quem o professor Pedro Ferrer nos fez conhecer a brilhante trajetória, rendo graças e peço que não se deixe abater pelo infeliz comentário e continue a Mandelar.
    João do Livramento.

  3. Pingback: Internauta João do Livramento comenta artigo de José Edalvo | Blog do Pilako

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