Katia Mesel: Patrimônio Vivo de Pernambuco – por Marcus Prado.

Depois de uma proveitosa tarde de outubro de 1985, em visita a uma exposição fotográfica de vários autores, na Funarte (RJ), sendo conduzido pelo meu querido amigo carioca, premiado compositor de música erudita e funcionário da instituição de cultura, Nestor de Holanda Neto, uma amizade que continua até hoje, herança de seu pai, jornalista Nestor de Holanda, fui assistir, com o escritor pernambucano de Caruaru, radicado no Rio de Janeiro, Elysio Condé (Jornal de Letras), no tradicional Cine Pathé, na Cinelândia, cujo fundador foi o famoso fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923), ao curta-metragem Oh de casa!, da cineasta e produtora pernambucana Katia Mesel.

Foi a primeira vez que tive diante de mim um trabalho de Katia Mesel, revelando-se uma iniciada, além do olhar fílmico, nos valores da fotografia e seus enquadramentos de imagem, na linguagem narrativa da fotografia, nos planos fotográficos das cenas. Para mim, uma marca na arte dessa pernambucana, à margem dos seus filmes posteriores, ao longo de mais de 50 anos de sua produção, também no audiovisual, ultrapassando mais de 300 produções.

Eu sabia de sua paixão por uma Leica, facilitadora de devaneios criativos dos pintores Lula Cardoso Ayres e João Câmara, sem esquecer a Leica de Gilberto Freyre nas suas pesquisas de campo, quando saia de bicicleta com Ulisses Pernambucano de Mello pelos bairros antigos do Recife, quando não viajava pela Ilha de Moçambique. “Ali sentiu-se atordoado pela profusão de cores”, lembra o acadêmico e historiador Alberto da Costa Filho.

O filme Oh de Casa! premiado mais de uma vez em festivais de cinema, baseado no livro homônimo do escritor Gilberto Freyre, tem como foco o valor da arquitetura tropical como forma de adaptação ao nosso clima, servindo ao estudo da formação social e da personalidade nordestinas. O sucesso desse filme trouxe confiança à autora de que muito ainda haveria de realizar e assim tem feito. Foi o início (sua chegada à maturidade) de outros prêmios dentro e fora do Brasil, de uma vocação, como cineasta, que não cessa de produzir um trabalho de qualidade e enche de referências o que de melhor tem sido feito com a marca tradicional do cinema pernambucano, herdeiro de um inquestionável valor e de um acervo cinematográfico que existe desde os anos 20, hoje na cinemateca da Fundaj. O longo comprometimento de Katia Mesel, com o sabor da cultura nordestina, feito com bom gosto estético e temático, me faz lembrar a divina Susan Sontag, a maior estudiosa e analista do seu tempo americano sobre cinema, além de erudita crítica literária. É autora de um longo ensaio sobre o romance de Machado de Assis.

Para Susan, havia uma escrita fílmica. Em Katia não se exclui um depurado trabalho de narrativa fílmica, sempre implica um olhar.

Estou sabendo que se acha concluído, desde 2020, na Fundarpe, o processo de concessão do título de Patrimônio Vivo de Pernambuco a Katia Mesel. Fico igualmente no aguardo do seu talvez mais ousado projeto de cinema: o filme sobre Clarice Lispector no Recife, para o qual está à espera de patrocínio.

Marcus Prado – jornalista

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