Oliveira Lima, Ariano Suassuna e Osman Lins:a escolha de um lugar – por Marcus Prado.

O ambiente bucólico, cercado de verde, tranquilo e relaxante, de três engenhos de cana-de-açúcar e suas casas-grandes, que nunca perdi a oportunidade de revê-los, em Vitória de Santo Antão, cada um com escadarias, corredores, sótãos, porões, tudo isso. com uma marca além de dois séculos, têm um detalhe histórico em comum. Deles me tornei pesquisador interessado em documentar com a câmera fotográfica o seu patrimônio histórico edificado. É gratificante saber por que foram refúgio, alívio e aconchego de três vultos da maior grandeza da nossa inteligência criativa. Não se trata de uma reconciliação telúrica com o paraíso rural perdido. Havia a necessidade transformadora do silêncio para a construção daquilo que Rilke descreve como a esfera necessária à leitura, à criação da escrita, um lugar mágico para vivenciar o “silêncio resignado” e confortável. Aquilo que Epicuro qualifica como irradiação luminosa do silêncio, o cintilamento do silêncio, digo eu, necessário à criação literária.

Os engenhos: Pombal (com o dramaturgo e escritor Ariano Suassuna, o professor e poeta Padre Daniel Lima e o pintor Romero de Andrade Lima), Cachoeirinha (com dona Flora e Manoel de Oliveira Lima) e Tomé (com Osman Lins), este com seus domínios de terras fazendo divisa com o município de Glória do Goitá. Não teria sido por acaso a escolha desses lugares para escrever textos que teriam continuidades sem quebras. Não conheço outra cidade com a ocupação de um espaço rural tão atraente e acolhedor para escritores famosos, sem falar daqueles, não em evidência na arte de escrever, mas na arte de fazer política, como se deu com João Cleofas de Oliveira no engenho Pirapama. (Eu vi, recentemente, a sua casa-grande em ruínas e a capela virou estribaria).  Pirapama era o refugio amoroso de um dos políticos mais influentes da era Vargas, assim como Pombal foi para o saudoso governador Eduardo Campos, nas suas horas de recolhimento e busca de repouso.

Lembro-me dessas casas, com suas portas de madeira de lei, as janelas abertas para o sol e suas telhas de vidro, os alpendres cheios de jarros de flores, seus pontos de armação de redes por todos os lados. Parece que estou vendo a cozinha desses engenhos, de onde vinham aromas inebriantes, as suas enormes mesas-de-jantar em jacarandá, seus tamboretes e bancos para sentar, seus utensílios de cerâmica, a fôrma de fazer bolo e tachos de cobre para canjica e pamonha, seus objetos de estanho, prata, porcelana e vidro, as almanjarras da grande moenda feita de madeira com tração animal, para extração. Suas quartinhas de água fresca em cada quarto, os bules cheios de café quente. Seus tantos quartos de dormir e o dobro de camas e lençóis de linho bordados, seus oratórios barrocos, seus retratos nas paredes (cada um com seus penteados anos trinta), seus jardins cercados de pau-a-pique e seus pomares. De Pombal, lembro-me de Ariano Suassuna e o padre poeta poetíssimo Daniel Lima a contemplarem numa certa tarde de inverno, nas esquinas do crepúsculo que dava para o açude Chora-Menino, a fulva neblina que vinha do canavial caindo sobre as cortinas e vidraças da casa-grande. Tenho para mim que foi na casa pombalina dos ventos errantes, hoje preservada por um dos Andrade Lima da nova geração, o Serginho), onde Daniel Lima escreveria parte dos seus mais belos poemas, reunidos agora numa edição primorosa da Cepe.

Foi neste DIARIO DE PERNAMBUCO que saíram os poemas dessa fase de Pombal. Na mesma casa-grande das primeiras pinturas de Zélia e, no seu entorno, do parque de esculturas de Romero. O rilkeano Malte Laurids Brigge nos diz que para escrever uma única página do seu livro é preciso, antes de tudo passar um dia e uma noite numa velha casa rural. Exemplo máximo foi Martin Heidegger na escolha que fez de sua cabana na Floresta Negra, onde  escreveria páginas que se tornaram para sempre famosas no campo da Filosofia.

Marcus Prado –  Jornalista.

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