Ônibus universitário: um caminhante morto.

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No final da primeira temporada da série The Walking Dead (que trata de sobreviventes de um holocausto zumbi), Rick Grimes, o personagem principal do seriado, trás uma surpresa para o seu grupo e para os espectadores, que até então poucos haviam percebido: “nós somos os mortos vivos”. Ou seja, Rick quis dizer que não eram os zumbis os verdadeiros caminhantes mortos, mas eram os próprios sobreviventes que carregariam este fardo até o fim dos tempos.

Mas o que fez o personagem falar algo tão sinistro assim? Ora, além da incapacidade de pensar, um verdadeiro caminhante morto possui uma característica muito singular: ele permanece encurralado num corpo animado, porém sem vida. Sendo assim, um zumbi de verdade tem que residir entre estes dois mundos. Ou seja, Rick estava certo quando identificou os sobreviventes a um morador que habita este limite entre a existência e a inexistência.

A série foi inspirada neste assombro que persegue a humanidade: ninguém quer pertencer a dois mundos sem poder habitar nenhum. É por isso, por exemplo, que “Ghost”, protagonizado por Patrick Swayze, precisava resolver de vez suas pendências na terra para atravessar completamente o “outro lado da vida”. Ou é por essa mesma razão que no romance de Mary Shelley, as pessoas nunca aceitaram Frankenstein, uma criatura que foi trazida à vida sem jamais poder existir nela.

Entretanto, é curioso como em Vitória de Santo Antão a metáfora do morto-vivo pôde sair da ficção e virar realidade. Aqui temos algumas criaturas dessas, circulando diariamente entre nossa cidade e a região metropolitana do Recife. Chamam-no carinhosamente de ônibus dos estudantes universitários. Estes foram criados ainda na gestão do ex-prefeito José Aglailson e desde então circula entre cidades sem existir de fato no orçamento da prefeitura e nem na legislação municipal.

Esta criatura chamada “buzão do estudante” é, portanto, uma aberração jurídica e orçamentária, que tem a incrível capacidade de colocar os universitários numa sinuca de bico: se por um lado os estudantes não podem reclamar por causa da falta de manutenção e de segurança no transporte, já que o poder executivo sempre lembra que o ônibus é apenas uma “generosidade do prefeito” e não um direito dos usuários; por outro lado o poder executivo alega que não pode regulamentá-lo por falta de recursos.

Entenderam?

É tão surpreendente que vamos explicar de outro jeito: o ônibus está precário e ninguém pode reclamar, pois a prefeitura alega que é um favor; e se os estudantes tentam regulamenta-lo para ele existir de uma vez por todas na legislação, mas a prefeitura alega que não há dinheiro para bancar o serviço (mesmo que o transporte seja financiado pelos cofres públicos há cerca de 10 anos).

Sendo assim, o ônibus universitário é uma criatura que habita entre a existência de fato e a inexistência jurídica e orçamentária. Sair dessa sinuca de bico é a grande tarefa dos estudantes de Vitória, que podem ver este serviço público ser suspenso pelo próximo prefeito em 2017 (serviço de grande valor, pois ajuda a manter na cidade os futuros profissionais que se qualificam em Recife). A morte desta criatura já começou, pois através de decreto o prefeito começou a reduzir a concessão das carteirinhas que dão acesso ao serviço. Apesar desse transporte ser de grande benefício para a sociedade, já que lida com a educação das nossas gerações, os nossos representantes não veem muito futuro em virtude da despesa que ele gera sem, por outro lado, ser revertida em votos “amarelos” (afinal, estudantes costumam ser críticos com relação aos nossos gestores).

Enfim, caso os estudantes fracassem em regulamentar o transporte, Vitória poderá atestar miopia com relação à educação e ao futuro desta cidade. E poderá também declarar, assim como o fez Rick Grimes: “nós é que somos os caminhantes mortos”.

P.S.: Terça-feira, dia 12 de maio, às 19 horas, haverá uma audiência pública na Câmara dos vereadores para discutir transporte na cidade. Uma das pautas é este ônibus universitário e os estudantes estão se mobilizando para defender a regulamentação do serviço. Todos deveriam comparecer.

aposente

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  1. Não me abisma o fato de suspensão deste, imprescindível, serviço público fornecido de forma “generosa” pelo nosso gestor atual. Visto que, como bem ressalta as entre linhas acima, os estudantes costumam ser críticos, ou seja, de encontro ao poder executivo de nossa cidade que sempre obteve votos por dois motivos: Precipuamente pela alienação da população vitoriense, onde justamente fundamenta a redução da concessão das carteirinhas que dão acesso ao serviço fundamental da classe estudantil, em outras palavras, quanto menos qualificada ser a população de nossa cidade, mais fácil será a corriqueira manipulação dos votos aos cargos eletivos. Por conseguinte, é o fato da cidade, apesar de ter pessoas de boa fé, nunca ter levado sorte com os políticos, sendo que o poder financeiro predomina, em razão da ótica acima salientada dos ignorantes residentes e que se submetem a troca de voto por tão pouco (escambo moderno), não cientes do quanto são atingidos em outras proposições de diversos segmentos.

  2. O problema é que boa parte da população de nossa Cidade sofre de esquizofrenia política. Quando os onibus foram implantados, lembro, que o atual PREFEITO e sua TURMA da Rádio criticavam duramente. Afirmavam que o dinheiro era de um FUNDO DA EDUCAÇÃO e que não poderia ser destinado a transportes de estudantes. Naqueles dias fizeram passeatas em frente ao Ministério Público, etc. Até um advogado, bastante conhecido, se pronunciava em um programa que tinha na rádio local.

    Mesmo com toda repercussão os ONIBUS DOS ESTUDANTES foram mantidos e O PREFEITO DA EPOCA FOI REELEITO. Findo os 8 anos de mandato o ATUAL PREFEITO (ELIAS LIRA), em campanha, SURGE com ONIBUS PRIMEIRO ANDAR, onde segundo os mesmo seriam o novo modelo de transporte universitário.

    Passada a Eleição os ONIBUS que aí estão SÃO OS MESMOS do primeiro mandato de Aglaílson. Nenhum onibus da frota foi trocado. Para piorar não existe manutenção dos mesmos, o que acarreta várias quebras (quase que diária), além, do risco de trafegar com veículos em estado tão precário.

    Complicando ainda mais a situação, estão utilizando ONIBUS FORNCEDIDO AOS MUNICÍPIOS, pelo GOVERNO FEDERAL, para levar alunos para Recife. Esse onibus deveriam ter a função de levar alunos do ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO, em especial da zona Rural, para a Cidade. Ao invés disso, tem frota particular fazendo vez desse onibus (amarelinhos).

    Como se não pudesse ficar pior, esses onibus (amarelinhos) levam jogadores de um time de futebol (local) para treinos/sede – sede/treinos.

    Mas, tudo isso passa, e O POVO ESQUECE. Em breve estarão nas ruas SEGUINDO CAMINHADAS, PASSEATAS, PRESENTE EM BATE-PAPOS, ETC. Vitória literalmente sofre de ESQUIZOFRENIA POLÍTICA.

    • João Fernando, sua análise foi perfeita. Infelizmente a quantidade de pessoas em Vitória que consegue enxergar isso ainda é mínima e insuficiente prá produzir uma mudança no quadro político-administrativo de nossa Sucupira. Resumindo: estamos ferrados.

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