Não há, nem nunca houve, ao longo de muitos séculos, um território tão disputado pelos peregrinos no mundo cristão, na Semana Santa, como o de Jerusalém. Ali, entre numerosas sugestões turísticas, passando por Santiago de Compostela, perto da Cidade Velha de Jerusalém, centro e teatro do mundo, será visto o mais rico acervo histórico, preservado, sob rigorosa vigilância, inclusive contra atentados de qualquer natureza: o tesouro do Terra Sancta Museum. Um Museu soberbamente concebido e edificado, altamente representativo do Cristianismo, único, composto de peças, a começar, da época do Senhor Salvador Mundo, perto do Jardim de Getsêmani, o local da grande dor, do sofrimento propiciatório e voluntário, que teve papel importante na história e foi cenário de acontecimentos narrados na Bíblia.
Baseio-me no que tenho em mãos, o precioso catálogo de uma exposição desse Museu, editado pela poderosa Fundação Calouste Gulbenkin (Lisboa/2024). Não é só um catálogo, não diz tudo o que Museu guarda: è uma obra-prima de edição gráfica, capa dura, feito por grandes iniciados na pesquisa histórica. Para uma peregrinação, nesta hora, infelizmente, não se recomenda. O noticiário internacional nos diz que não há peregrinação onde não existe Paz.
A documentação do catálogo é composta de presentes de reis católicos da Europa: Espanha, França, Portugal, Sacro Império Romano-Germanico, Reino de Nápoles, além de objetos dos primeiros tempos do Cristianismo. Peças sem equivalentes em qualquer lugar. É o caso de numerosas lâmpadas em ouro, uma delas, a oferecida por Dom Joao V, de Portugal, que pôde escapar às devastações do terremoto de 1755. Vejo um frontal de altar, dotado de profundidade de campo, marcadamente escultórico, realizado em Nápoles (1731); a Santa Cruz de Constantinopla; um relicário em ouro, em forma de cruz, adornado com safiras e diamantes; um tríptico de beleza imponente da apresentação do Menino no Templo; candelabros em esmalte, com detalhe para técnica e o conhecimento de esmaltadores limusinos; importantes conjuntos de peças de ourivesaria com decoração complexa de filigrana, mostram prodigioso exemplo de sincretismo cultural; uma bacia dourada de lava-pés; conjuntos de ricos paramentos que evocam episódios da paixão; vários píxides de extrema beleza; um impressionante báculo pastoral de prata dourada, ornado com gemas engastadas e flores-de-lis. O conjunto de documentos, manuscritos valiosos, mapas, um belo Livro de Horas (Roma, 1410), para mim, um tesouro dentro de outro tesouro, com letras capitulares quase iguais (ou da mesma escola e estilo) às de um Missal, que fotografei, inteiro, na biblioteca (fechadíssima) do Seminário Maior de Olinda. (A biblioteca do Padre Antônio Vieira, do bispo Azevedo Coutinho, de Frei Caneca). Uma relíquia, no gênero, as suas iluminuras, talvez único no Brasil. (Salvo milagrosamente durante a fúria destruidora dos invasores holandeses em Olinda e Recife). Letras capitulares, as do Livro de Horas, feitas pelo mestre iluminador Bedford, que viveu em Paris durante o século XV. Tem mais: como o bloco monolítico que representa o Santo Sepulcro. Tudo nesse Museu é um tesouro.
PS: 1 – Dedico esta crônica à memória do poeta e escritor português Nuno Júdice, recentemente falecido. Pela sua obra, pela sua amizade à cultura brasileira e pelo legado intelectual, como editor, da Revista Colóquio Letras (Fundação Calouste Gulbenkian).
2 – Sou grato ao poeta José Rodrigues de Paiva e ao professor Lúcio Ferreira, ambos de passagem pela Gulbenkian (Lisboa), que muito se empenharam para que fosse possível a leitura que fiz desse Catálogo monumental.
Marcus Prado – jornalista