A liturgia do Divino e o fausto do esplendor – por Marcus Prado.

Já dei nesta página a minha opinião sobre o sucesso das exposições de artes plásticas realizadas no Recife no final de ano de 2023: a mostra de pinturas de Luciano Pinheiro, na Arte Plural, a coletiva do Espaço Brennand, em Boa Viagem, e a exposição comemorativa dos 50 anos do movimento Armorial, de Ariano Suassuna (Museu do Estado). Deixei por último um breve comentário sobre a exposição monumental e sóbria no campo da documentação histórica, arqueológica e iconográfica: “O Tesouro dos Reis – Obras-Primas do Terra Sancta Museum”, tendo por ambiente as salas da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa). Para quem não conhece a Gulbenkian lembro que se trata de uma das mais ricas e celebradas instituições de cultura, ciências e artes da Europa, com escritórios atuantes na França e no Reino Unido.

Ali está sendo exibida, até 26 de fevereiro de 2024, parte do monumental tesouro artístico do Terra Sancta Museum (Jerusalém), composto de doações realizadas por monarcas católicos europeus a várias igrejas ao longo de 500 anos. Trata-se de um conjunto de peças, únicas no mundo, quase todas em ouro e prata, reconhecidas como Patrimônio Universal da Humanidade.

Viajou pela primeira vez de Jerusalém para Portugal, graças ao empenho da Gulbenkian, que planejou tudo, durante quase três anos, sem limites de custos. A começar pelo restauro que fez em várias peças do Museu dos Franciscanos (Jerusalém), pelo seguro milionário desse tesouro de arte e religiosidade, no tranporte e montagem do acervo (o mais alto custo na história da instituição portuguesa), à sua curadoria (composta do que há de excelente em Portugal e em Jerusalém). Um projeto ousado, sem a menor réstea de amadorismo, isto sem falar de um esquema de transportes, segurança das obras de arte que envolveu sofisticado equipamento de antirreflexos, expositores resistentes à prova de balas, além de sensores e alarmes de ultima geração. Destaco isso não só para se avaliar a grandeza dessa amostra, mas para dizer que a exposição convida, num primeiro momento, a conhecer ‘Jerusalém, centro do mundo’, mostrando a “sua importância e centralidade” nesta hora agônica e de tantos conflitos entre Israel e a Palestina, que tem deixado profundas marcas.

Há peças e documentos que deixam o visitante maravilhado pelo que apresentam num percurso de muitos séculos, desde a construção da Basílica do Santo Sepulcro, no século IV, até à ocupação otomana do território, no séc. XVI. ‘Theatrum Mundi’ é o nome de um núcleo da mostra, onde se conhecem as doações régias de vários reinados europeus aos lugares santos, como as enviadas por Filipe II de Espanha, Luís XIV de França, João V de Portugal, Carlos VII de Nápoles ou Maria Teresa de Áustria, entre outros. Há um destaque para o Evangeliário arménio, do século XV, comprado por Calouste Sarkis Gulbenkian em 1947, e oferecido à Biblioteca do Patriarcado Armênio de Jerusalém. São numerosas lâmpadas pendulares, quase todas em ouro, ou o baldaquino que acolhia uma custódia ou um crucifixo, doado por Carlos VII, rei de Nápoles. São vistas peças da Idade do Bronze à época romana, das Cruzadas aos tempos modernos, sem falar dos vestígios de uma aldeia do século I d.C. São expostos objetos sacros de forte simbolismo espiritual, que datam da Idade Média. Dentre os objetos da amostra destaca-se ainda a importantíssima inscrição “Khaire Maria”, ou seja, Ave Maria. É o atestado mais antigo do nome da Virgem Maria, de Deus a Madre (antes de 324), gravado em grego na base de uma coluna. De brilhar diante dos olhos são os cálices confeccionados por famosos ourives de séculos passados. Outro tesouro dessa amostra é o seu catálogo, com cerca de 400 páginas, com textos e imagens, uma bem cuidada edição da Gulbenkian. Fui encontrar nesse catálogo (grato aos amigos portugueses Lúcio Ferreira e José Rodrigues de Paiva) páginas que reproduzem letras capitulares e Iluminuras de encantadora beleza gráfica (séculos 13 e 14).

Marcus Prado – jornalista. 

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