A pintura de Luciano Pinheiro e a esperança em tempos absurdos – por Marcus Prado.

Acha-se em exposição, até o próximo mês de outubro (Galeria Arte Plural – Rua da Moeda – Recife), uma série de 70 novos quadros do pintor olindense Luciano Pinheiro, com a curadoria de Joana D’Arc Lima. A mostra reúne pinturas sobre tela, duratex e madeira, produzidas entre 2020 e 2023, desenhos a bico de pena e nanquim, aquarela, recortes e colagens. Mais uma oportunidade, imperdível, de rever o trabalho de um artista sempre inovador, visto pela crítica e colecionadores exigentes como um dos melhores de sua geração não só de Pernambuco, e que marca a sua presença no cenário de grandes vultos das artes do País. Imperdível, quando se deseja convidar para o melhor do contemporâneo, numa cidade de poucos ensejos como esse no campo das artes.

Imperdível para quem não conhece a trajetória criativa de Luciano Pinheiro, os elementos arquitetônicos da sua arte, a multiplicidade de signos que inventa no âmbito das suas possibilidades de criação, das suas dimensões metafóricas e símbolos. Nesta nova ambiência criada por Luciano percebe-se de imediato que o artista não imita a si próprio para seus apelos à nossa apreciação, ao seu intuito. Não há o chamado “fazimento de semelhanças e imitação”, como invoca para certos pintores a mestríssima Suzan K. Langer no seu clássico Sentimento e Forma.

Delírica Vertigem, titulo da exposição, é um testemunho diarístico vindo de tempos sombrios que escureceram o teto das nossas moradias, deixando a impressão de que o anel solar teria sido levado, por força de Zeus, para outros sistemas de exoplanetas. Foi sob o impacto dessa mancha nefasta e desse pretume fechado que Luciano produziu, solitário, em silêncio, os quadros dessa exposição (A lembrar o Canto XXI da Divina Comédia, de Dante – A vala dos corrutos. (…) “Eu olhava mas nada via a não ser as bolhas de piche que a fervura levantava)”. Não foi uma fuligem que tampou a luz sobre o país, mas uma nuvem negra monumental, uma tempestade do nada. Mas, Luciano resistiu pela ética, com a força do seu talento, cumpriu o seu papel de artista solidário. A pintura de Luciano é um manifesto, o desejo de um novo tempo, como Albert Camus nos diz sobre a esperança em tempos absurdos e hostis. “A vertigem é o desassossego dos tempos sombrios vividos e ainda ameaçados de hoje”, disse Luciano, em conversa comigo.

Delírica Vertigem é uma bela página diarística que o pintor escreveu com a força das cores, uma atitude que tenta reinventar a alegria. Com a sua pintura, o artista apresenta um arco que, como na Odisseia, de Homero, caminha para um novo amanhecer. Para “a delícia lírica da criação repleta de sentimentos e emoções”.

Bruce Altshuler, diretor da Zabriskie Gallery, NY, um dos afamados curadores de arte dos EUA, além de crítico nessa especialização (tenho lido seus comentários na famosa Art In America, uma prestigiada revista de vanguarda dos EUA), define a curadoria hoje como “a ascensão do curador como criador”, para tanto não há espaço para simples iniciados. Durante horas, na montagem dessa amostra, vi como Joana D`Arc de Lima, a curadora da exposição, conduzia o seu trabalho, dialogando, em parceria com o pintor e equipe de produção. O seu olhar indagador sobre cada peça, detalhe por detalhe. Assim como ouvidos atentos para a escolha, com Luciano, do ambiente sonoro da exposição (ele amante da música instrumental), com a marca de clássicos do Jazz: Nina Simone, Chet Baker, Ella Fitzgerald, Milles Davies, Dave Brubeck. Impecável, o espaço disponibilizado pela Arte Plural, famosa desde a sua fundação pelo rigor seletivo de sua pauta.

Tenho para mim que a grande pintura, a sua abundância interior, seja qual for a sua época, é feita também para ser ouvida. Cada grande pintor é também um executante. Luciano Pinheiro, na abundante textura de sua obra (foi vista, no começo, na casa dele, pelo genial cientista e crítico de arte Mario Schenberg), tem o seu “repertório adequado” como diria Suzanne K. Langer no citado Sentimento e Forma. Uma pintura livre de emoções confusas, que tem respiração sonora, entra na superfície tênue da música. Por fim, o desejo de ver, em forma de livro, o que já foi dito sobre a pintura de Luciano Pinheiro pelo professor Eduardo Bezerra Cavalcanti, na obra de detalhada prospecção crítica: Luciano Pinheiro – Figuração e paisagem, infelizmente inédita.

Marcus Prado – jornalista

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