Em defesa do Patrimônio histórico: casos de destombamentos – por Marcus Prado.

Não é a primeira vez que chega ao Brasil uma comissão da UNESCO para fiscalizar, mediante denúncias, como foi o caso de Ouro Preto, e mais recentemente na Serra Negra, em Minas Gerais. Que o Brasil teve o risco de passar por essa vergonha diante da repercussão internacional, com reflexos de imediato no campo do Turismo. Não é por acaso que somos um dos países mais visitados, na América do Sul, por comissões fiscalizadoras da UNESCO. A entidade, com sede em Paris, se propõe a promover a identificação, a proteção e a preservação do patrimônio cultural e natural de todo o mundo, considerado especialmente valioso para a humanidade. O resultado da avaliação, no caso mineiro, que está sendo feita por especialistas de renome internacional, pode levar a Serra do Curral a perder o reconhecimento de Patrimônio da Humanidade da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Depois da análise técnica, os especialistas irão anunciar se vão manter o pedido de intervenção protocolado no Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), instituição que assessora a Unesco.

Em nível de Pernambuco, saindo da esfera da UNESCO, (sem deixar de reconhecer a rica pluralidade cultural de nosso estado), sou levado a fazer uma confissão: se depender do meu voto, o primeiro patrimônio local a ser destombado, entre outros da capital e do Interior, seria o prédio onde funcionou, durante mais de um século, o jornal mais antigo em circulação em nosso idioma: o DIARIO DE PERNAMBUCO. Opinaria pela pena máxima, embora constrangido, posto que fui autor do parecer de tombamento desse edifício, um documento com mais de 100 páginas, aprovado à unanimidade pelo colegiado presidido por Marcia Souto e Aramis Macêdo. (Restou a sensação de tempo perdido, atado por fortes laços de lembranças e reconhecimento: trabalhei nesse prédio durante cerca de três décadas, como redator literário (*). O estado, dono desse edifício, adquirido por desapropriação há 17 anos, nada fez ao longo dos anos, até hoje, para preservá-lo como monumento arquitetônico de rigorosa preservação. Tornou-se exemplo inqualificável de abandono do patrimônio histórico, a autoridade não agilizou procedimentos recomendados no ato de homologação governamental.

Um dos prédios mais importantes do bairro recifense de Santo Antônio, acha-se em estado de ruinas, cada dia cai um pedaço das paredes e do teto, colocando em risco os que passam pela calçada; à noite é invadido por pessoas sem teto e usuários de drogas, durante o dia vira latrina a céu aberto. Há dois anos, quase foi por inteiro atingido por um incêndio. A praça (o entorno do prédio) é usada como banheiro por pessoas que vivem no local (Nada diferente da Rua das Flores, para lembrar outra vergonha do caso Painel de Brennand). Não houve sequer o interesse de colocar no ambiente um tapume de proteção.

Temos no Brasil um dos melhores conjuntos de leis, regulamentos, diretrizes entre as nações signatárias de Cartas de Preservação, um dos melhores organismos, teoricamente, que eu saiba, de proteção do patrimônio histórico, um referencial, sem nada dever em nível internacional, como é o caso do IPHAN, a partir do ideário de Rodrigo Melo Franco de Andrade e do legado dos pernambucanos Aloisio Magalhães e Airton Carvalho. Eles, que tanto fizeram para a construção do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC), para o qual muito contribuiu o escritor Gilberto Freyre. Eu lembraria, como subsídio, as pesquisas acadêmicas que têm se multiplicado em qualidade, certas teses recentes dedicadas à preservação do entorno do bem tombado, exigência tão importante e tão negligenciada. A preservação do entorno, que deixou de ser cumprido no tombamento do prédio do DIÁRIO, é atualmente um dos itens mais importantes nos debates internacionais. Mas, tudo ou quase tudo, na esfera governamental, o que foi dito acima sobre os ordenamentos do patrimônio, dá a impressão que fica só no papel, fenômeno não só do Recife, fato já por tantas vezes ressaltado pelas mídias da capital.

No caso da Serra Negra, em Minas Gerais, foi ignorado que o trabalho não termina com o tombamento – na realidade apenas começa. Tanto do ponto de vista do Poligonal de tombamento: área claramente delimitada com o objetivo de preservar a paisagem urbana perceptível e diretamente relacionada com a motivação do tombamento, quanto do Poligonal de entorno: área claramente definida com o objetivo de resguardar a ambiência do bem tombado e garantir a qualidade urbana necessária para sua fruição: Tudo isso estava sendo frontalmente ignorado. Houve omissões, ausência de regras não efetivas, descontinuidades na salvaguarda do bem tombado, invasões, fragilidades na proteção, tal como vem ocorrendo, há décadas, em Olinda, com o secular Horto Del-Rey, visto no passado como a maior área verde urbana do Brasil.

(*) Em Marcel Proust houve um tempo perdido, mas foi depois recuperado como necessário para dar sentido à vida. Resta apelar para que o tempo imite a arte.

Marcus Prado. Jornalista

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