Mona Lisa e o painel Batalha dos Guararapes: destinos que cruzam – por Marcus Prado.

A agressão sofrida pela Mona Lisa no Museu do Louvre, em Paris, no domingo 29 de maio, não foi a primeira tentativa desde quando se tornou a maior atração do famoso museu, um dos mais visitados do mundo. São dezenas de atentados registrados pela crônica policial francesa ao longo da história. Por sinal, desconfio que a Mona Lisa, exposta todo dia para devaneios de turistas embevecidos, seja a original, que se acha a sete chaves no cofre incorruptível do Museu. Isso não é novidade. Nem é novidade a existência de copistas, com recursos de alta precisão, que fizeram maravilhas no Louvre em famosas galerias de arte. A técnica consiste em copiar quadros de grandes mestres da pintura, com uma fidelidade que desafia o olhar de especialistas e curadores de requintada competência. A reprodução iconográfica beneficia-se atualmente de recursos muito mais preciosos e exatos com o conjunto das técnicas relacionadas à fotografia e a seus aperfeiçoamentos.

Se houvesse um torneio simulado, entre a Mona Lisa, do divino Leonardo da Vinci, também conhecida como Gioconda ou ainda Mona Lisa del Giocondo, e o painel de Francisco Brennand – Batalha dos Guararapes, esse em fase de restauro, à espera de um polêmico transplante (!!!), a obra do pernambucano seria ganhadora no capítulo de crimes de patrimônio sem punição.

A do Louvre, protegida por um ambiente de máxima segurança, à prova de incêndio e bala, ao contrário do Mural, que seria visto como a obra prima muralística do genial artista plástico pernambucano. Sabe-se que, desde a sua inauguração, sem nada que o proteja, embora tombado em nível estadual, tornou-se alvo da caterva de pichadores de todas as índoles, sem falar dos dejetos humanos a céu aberto, deixados no entorno: o perímetro de proteção, um espaço que, por lei, em qualquer país signatário de Cartas de patrimônio, é possuidor do mesmo rigor do tombamento. Bastaria, no caso de Brennand, para a proteção do Mural da Rua das Flores, o que fizeram, no passado, com o entorno das grandes obras urbanas de arte do Recife. Teriam evitado o seu primeiro restauro e agora o segundo em andamento. Na França do Presidente De Gaulle, tendo como seu ministro da Cultura o também escritor André Malraux, todas obras de arte tombadas na capital francesa tinham a proteção e salvaguarda, como se o país estivesse em estado de Guerra. Caso o patrimônio em si estivesse em risco, ele receberia uma atenção especial. Para eles, patrimônio histórico pertencia à humanidade. Como, para os brasileiros, o santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais. Se um dos fatores que fez Ouro Preto tornar-se Patrimônio da Humanidade foi a obra de Aleijadinho, presente em quase toda igreja da cidade mineira, imagine uma construção repleta de obras do maior artista barroco brasileiro. Assim como outro ambiente sagrado não só para os pernambucanos, tenho para mim: o colosso de esculturas de Francisco Brennand, na Várzea, em sua insuspeitável possibilidade de valor artístico, do qual o painel Batalha dos Guararapes, por extensão, é parte integrante, que será tema de um Seminário Internacional na Fundaj, em setembro. O que dizer da quase destruição de uma obra icônica da capital, o conjunto de esculturas, 90 peças de Brennand, do quebra-mar do Porto do Recife, voltado para o Marco Zero da cidade?

O que desejo ressaltar e lamentar é que, enquanto houver agressores do patrimônio histórico, aliados à impunidade policial e à alienação da autoridade governamental, seja de onde for, desconfio do poder de polícia atribuído a cada gestor do patrimônio histórico edificado. O caso da Mona Lisa é uma manifestação de desvio de caráter, uma mistura de transtorno de conduta e mau caráter, que se repete em todos os lugares, quando há falta de punição. Estou falando muito particularmente, baseado numa experiência que tive ao longo de 12 anos, na condição de conselheiro titular do Conselho estadual de cultura de Pernambuco: o que foi feito, no Recife e além das nossas fronteiras, contra os que destroem de forma intencional e direta o patrimônio artístico? O estado não dispõe sequer de meios básicos e elementares para fiscalizar o patrimônio tombado.

Temos, em nível nacional, uma das mais avançadas leis de patrimônio, atribuídas aos valores históricos e culturais do País, a partir do IPHAN, que nada tem a dever em relação a outros países, mas não temos observância ao Direito Penal, que busca proteger o patrimônio, em especial os crimes de agressão e furto, delitos cometidos em alta escala em todo Brasil. Releio o capítulo II – DOS CRIMES CONTRA O PATRÍMONIO, capítulo I, artigos 155 e 156 do Código Penal, e não vejo notícia, neste País, de uma só punição, fato que o cidadão comum não mais suporta e se justifica a sua revolta contra o Estado. Não sei se há dados estatísticos da quantidade de crimes em geral cometidos no País, me refiro também a Pernambuco, se proporciona, por sua vez, a punição e ressocialização do condenado.

Os Estados têm a responsabilidade primordial de proteger os bens culturais que se encontrem em seu território. Ora, se são incapazes de cuidar da cidade, previamente, contra os sinistros climáticos, o que se espera de punição e buscas de culpados de crimes de patrimônio? Muitas são as críticas sobre nosso Código Penal e contra os gestores de Patrimônio. É difícil conhecer com precisão a quantidade de crimes que ocorrem, por omissão de todos, contra o patrimônio cultural. O que os governos têm em seus registros policiais são apenas uma breve estimativa dos crimes ocorridos, estimativa esta que se sabe, de antemão, ser subestimada. Nesta época que não construímos mais monumentos nem murais de arte, é preciso salvar os que restam.

Marcus Prado – Jornalista.

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