ANO NOVO NA PRAÇA DA MATRIZ – por Lucivânio Jatobá

Meu pai chegava em casa, toda véspera de Ano Novo, com uma lata de queijo do reino Borboleta. Tinha um prazer enorme de abrir com uma espécie de chave atípica cinza aquela lata avermelhada. Eu abominava queijo do reino… Preferia o saboroso queijo de manteiga, que era vendido bem baratinho no mercado da feira de Vitória de Santo Antão. Ano Novo exigia, na concepção do meu pai, queijo do reino. Ponto final!

À noite nos dirigíamos à Praça da Matriz. Era ali onde se reuniam os vitorienses para sentir a “passagem de Ano”. O ambiente era mágico para minha ótica de menino. Imperavam a diversão, a ludicidade, a fantasia. O cachorro quente de Mané Poças, sempre presente nas festas do Livramento, estava lá, naquela barraquinha que exibia cordas de cebolas e pimentões pendurados. Eu e meus irmãos comíamos aquela delícia de cachorro quente até não aguentar mais. Havia também o caranguejo, aquele crustáceo estranho e avermelhado. Meu pai adorava… Eu tinha preguiça de partir as patas para comer insignificantes parcelas de uma carne branca. Talvez preferisse as piabinhas do Tapacurá bem torradas…

Preferia mesmo era fazer a pescaria na Barraca da Sorte ou ver meu pai atirar (e errar), com espingarda de ar comprimido, nas carteiras de cigarros Astória e Minister. Tinha também as barcaças. Passava dez minutos indo pra lá e pra ca´, numa repetição monótona, até o labirinto protestar, impondo-me uma náusea e certa tontura. Restavam-me, ainda, umas voltas na Roda Gigante, que me permitiam enxergar tudo e todos menores. Sentia-me gigante, onipotente, quando a roda gigante parava e eu ficava lá em cima apreciando o meu mundo… Como era vasto o mundo.
De repente, Meia-Noite. Apagavam-se, por segundos intermináveis, todas as luzes da cidade. Foguetões pipocavam. Um novo ano tinha início. Novo tempo. Novas esperanças. Alguns amigos do meu pai já estavam visivelmente embriagados. Pessoas se abraçavam. Outras choravam. Ouvia-se sempre de um e de outro: Feliz Ano Novo, seu Emídio! Feliz Ano Novo!
No dia seguinte, a cidade mergulhava numa melancolia indescritível. O que antes era alegria, vida, mais lembrava um cenário de cidade arrasada. Na Praça da Matriz, os resíduos deixados pelas pessoas eram visíveis: restos de guardanapos de papel, copos quebrados, garrafas de champanhe espalhadas junto ao meio fio, o Clube Leão com as portas fechadas e os brinquedos, que tanto me divertiram na noite anterior, parados e amarrados com grossas correntes eram parte de um cenário triste.
Sentido precocemente aquilo que depois passei a conhecer- a depressão-, entregava-me ao jogo de bolinhas de gude na praça do Livramento, com alguns poucos amigos, numa fuga inconsciente da tristeza do primeiro dia do ano.
Na Cascatinha- o bar da Praça do Livramento, alguns bêbados retardatários, com a voz pastosa, comiam pé de galinha, ingeriam doses razoáveis de aguardente com Crush e cantavam desafinados um tango famoso que Nelson Gonçalves eternizara num disco de 78rpm, mais ou menos assim:

“Antigamente nos meus tempos de ventura
Quando eu voltava do trabalho para o lar
Deste bar alguém gritava com ironia:
“Entra mano, o fulano vai pagar”
Havia sempre alguém pagando um trago
Pelo simples direito de falar
Havia sempre uma tragédia entre dois copos
Nas gargalhadas de um infeliz a soluçar…”

Lucivânio Jatobá

1 pensou em “ANO NOVO NA PRAÇA DA MATRIZ – por Lucivânio Jatobá

  1. Noite de virado ano, na Praça da Matriz. Meu Deus, que lembrança…maravilhosa.. o cachorro quente, o caranguejo, os jogos de azar, a barcaça, a roda gigante… Como menino, ele esqueceu as bolas de gás… coloridas, lindas… É se descuidada… ganhavam o céu…
    O apagar das luzes…
    Era tão mágico, tão criança. Obrigada pilako, estas recordações não me matam, me dão vida!

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