De olho na história: do impeachment ao senado, o caçador de Marajás – por Wedson Garcia.

O presidente empertigou-se, fungou, franziu o cenho, fungou de novo e garantiu que iria punir todos os culpados. Para reforçar a disposição justiceira, fungou outra vez e assegurou que estava disposto a cumprir a lei duela a quien duela. Na histórica noite de 25 de agosto de 1992, Fernando Collor precisou recorrer a um portunhol de corar secundaristas porque estava concedendo para a TV argentina uma entrevista que, em tese, não seria exibida no Brasil. Mas, havia meses, Collor vivia uma espécie de inferno astral e a transmissão acabou sendo captada por acaso pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

A nação, então, se estarreceria ao ouvir o presidente assegurar aos vizinhos do Sul que o que estava acontecendo no Brasil “es normal, es normal”. Mas, mesmo num país acostumado às vertigens políticas, o que se passava desde maio de 1992 definitivamente não era normal. De fato, mais parecia um roteiro da série de TV Dallas, repleto de cobiça e corrupção, intriga e morte. Ainda assim, se alguém apresentasse tal enredo para os chefões de Hollywood, provavelmente teria seu trabalho recusado pela inverossimilhança da trama e pelo fato de parecer um dramalhão mexicano.

Em linhas gerais, a story line era a seguinte: em certa república sul-americana, um jovem e promissor candidato, de tendência neoliberal, concorre à Presidência competindo contra um ex-líder sindical ligado ao movimento operário. Obtém o apoio da elite nacional e, para administrar os polpudos donativos da campanha, convida um velho amigo, o ex-seminarista e vendedor de carros usados antes conhecido como “Paulinho Gasolina”. Depois de uma campanha acirrada, durante a qual afirma que, se o ex-operário vencer, vai “confiscar a poupança do povo”, o jovem e bem-apessoado candidato acaba vencendo por estreita margem de votos. No dia seguinte à posse, o novo presidente e sua ministra da Fazenda anunciam um plano de combate à inflação, em nome do qual bloqueiam o dinheiro depositado em todas as contas-correntes de todos os bancos do país. Irônico, não?

À sombra do palácio do governo se instalaria então uma vasta rede de corrupção e negociatas, na qual projetos só andam se movidos a propina. No instante em que a incredulidade parece dominar a nação, o irmão mais moço do presidente decide, por motivos insondáveis (inveja? Vingança? Revolta pelo suposto assédio que o irmão teria feito a sua bela esposa?), denunciar PC Farias, o Paulinho Gasolina, como chefe da quadrilha que se apoderara dos cofres públicos. A mãe defende o Presidente e diz que o filho mais moço é desequilibrado mental e o afasta das empresas da família. Exames médicos provam que o caçula não está louco, e as denúncias, depois de averiguadas, desvendam um gigantesco esquema de corrupção que acaba por envolver o presidente, que é afastado do cargo.

Para piorar as chances de aprovação em Hollywood, o suposto roteiro é uma obra aberta, ou seja, ainda não teve seu fim. Quem matou o tesoureiro? Onde estão os (talvez) US$ 2 bilhões roubados? Com quais recursos viveu o ex-presidente enquanto esteve afastado da política? Como ele ainda conseguiu ser eleito Senador da República pelo estado de Alagoas com 689.266 votos, ou 55,69% dos votos válidos? Quais as cenas do próximo capítulo? Independentemente do desfecho e de quais venham a ser as respostas (se é que algum dia haverá), a era Collor se configura como um dos mais sombrios capítulos da história política do Brasil.

Fernando Collor de Mello, o homem que, após sua eleição, posara para o Brasil e para o mundo como um grande estadista, o presidente que representava a direita moralista e defensora da tradicional família brasileira, o jovem e dinâmico político que conduziria o país em direção à “modernidade”; a opção única contra o “atraso estatizante” proposto por Lula e pelas alas radicais do PT; o profeta do neoliberalismo, a personificação tupiniquim do fenômeno que o sociólogo Max Weber certa vez chamou de “escatologia messiânica”; o

atlético e ousado jogger que pilotava jet skis e aviões a jato; o Indiana Jones que se notabilizara como “caçador de marajás” acabaria se revelando uma das maiores fraudes políticas de todos os tempos no Brasil. Talvez jamais se venha a saber quanto de fato foi roubado.

O que se sabe já é amedrontador o bastante. Por meio de uma ampla teia de contas fantasmas em vários bancos do país, cerca de 40 mil cheques, totalizando pelo menos US$ 350 milhões, chegaram aos bolsos de gente de carne e osso, a maioria ligada direta ou indiretamente a Collor. Mas isso foi apenas a ponta de um monumental iceberg de fraude, corrupção, tráfico de influência, propinas e extorsão sem igual na história nada impoluta da política e da malversação das finanças públicas do Brasil.

Num julgamento de contornos muito mais políticos do que jurídicos, Collor acabou acusado de “crime de responsabilidade” e teve seus direitos políticos cassados por um período de oito anos. Um dia antes, em 29 de dezembro de 1992, o presidente renunciara ao cargo tentando escapar do processo. Mas o tempo já havia se esgotado para ele e suas horas no poder estavam contadas. Mais de 700 dias antes do fim de seu mandato, Fernando Collor de Mello, a quem 35 milhões de votos haviam tornado o mais jovem cidadão a ocupar a Presidência do Brasil, era forçado a deixá-la, saindo temporariamente da vida pública para entrar na história universal da infâmia. Infâmia que só aumentaria com sua eleição como Senador de Alagoas, em 2006.

É bem possível que Ulysses Guimarães e Mário Covas tenham achado graça quando um certo Fernando Collor de Mello os procurou, no fim de 1988, oferecendo-se para concorrer como candidato a vice-presidente na chapa do PMDB ou do PSDB. Muita gente continuou rindo quando, no início de 1989, esse mesmo Collor criou o Partido da Renovação Nacional (PRN) e se lançou candidato à Presidência. Os gracejos logo cessariam, dando lugar ao receio, que, ainda mais rápido, foi substituído por surpresa e espanto. Partindo de apenas 1% nas pesquisas eleitorais, Collor iniciou uma ascensão meteórica que o levou ao primeiro lugar na preferência dos eleitores brasileiros. Como a história se encarregaria de provar, sua posse na Presidência, em 15 de março de 1990, decididamente foi coisa muito séria.

Um olhar atento teria revelado motivos para, desde o início, dar mais atenção ao candidato e a seu plano aparentemente delirante de chegar ao poder. Uso agora um famoso clichê: “qualquer semelhança com acontecimentos atuais não é mera coincidência”. É preciso olhar atentamente para certas candidaturas que pareçam despretensiosas ou dignas de riso. É preciso prestar mais atenção em supostas ascensões no número de aprovação de determinados candidatos que ao que tudo indica, estão levando a sério a possibilidade de ocupar o cargo mais

importante do país. Jair Bolsonaro, João Dória, Geraldo Alckmin, Ronaldo Caiado, Luciano Huck, Álvaro Dias, Valéria Monteiro, Ciro Gomes, além do ex-presidente Lula, são alguns dos aspirantes a ocupar o Palácio do Planalto. São merecedores? Não cabe a mim julgar, mas um olhar atento como aquele que não houve no caso de Collor, pode evitar mais cenas desse roteiro que poderia competir com a famosa trilogia do Francis Ford Coppola se não fosse a mais pura realidade.

Wedson Garcia é Ator, diretor, produtor cultural, professor e fundador do Núcleo de Pesquisa Cênica de Pernambuco. Bacharel em administração pela Faculdade Metropolitana do Recife e atualmente estudante do curso de Licenciatura plena em história da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

1 pensou em “De olho na história: do impeachment ao senado, o caçador de Marajás – por Wedson Garcia.

  1. O que o cidadão Wedson Garcia tenta descrever ou descreve é, apesar de um viés esquerdista, é o retrato da ‘res-publica” brasileira, só isso.
    O Collor, que só “caiu” por falta de popularidade, e objetivamente devido a “um rolo ilegal” envolvendo um veículo popular – FIAT ELBA- era mais um dos salvadores da Pátria desta republiqueta nossa. Um regime onde de quatro em quatro anos se muda um chefe de estado, e eivado de ideias antinaturais, tipo: IGUALDADE PARA TODOS só pode ser um viveiro de falsos heróis. Lula é um exemplo cavalar disso.
    O autor do texto acima escreve, escreve…. indica situações… pontua exemplos… cita uma suposta postura direitista de Collor de Melo, e, no fim, rsrsrrs, laconicamente cita Dilma e Lula…. hahaha
    Os latinos continuam a nos ensinar ainda hoje:
    Parum mihi placeant eae litterae quae ad virtutem doctoribus nihil profuerunt. [Salústio, Bellum Iugurthinum] Pouco me agradam esses estudos que nada contribuíram para a virtude dos doutos.

    O artigo quase inocenta Dilma e seus asseclas, e o “escritor” tenta, quiçá inconscientemente (mas fruto das doutrinações aprendidas na faculdade).
    Collor foi um “menino” no quesito bandidagens. O Lula e a Dilma forma e são doutores na arte de roubar a “res-publica”: os fatos estão postos: o alcoólatra está condenado (Collor foi inocentado no STF) a terrorista indiciada (https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/pf-conclui-inquerito-e-diz-que-lula-dilma-e-mercadante-atuaram-para-obstruir-justica.ghtml), mas o “objeto” modelar das elucubrações é massivamente o ex- Caçador de Marajás…. Depois dizem que ideologia não adoece as pessoas!
    Amigo Pilako o cidadao que escreveu o dito “manifesto” peca pela cegueira: não enxerga a realidade.
    Ele pergunta: Quem matou o tesoureiro? Onde estão os (talvez) US$ 2 bilhões roubados? Ótimas perguntas…porem o menino esquece de perguntar quem matou CELSO DANIEL? Onde estão os bilhões desviados por Paloci, Dirceu; como a Marisa Leticia morreu com um patrimônio de milhões?
    Mas Pilako, com todo respeito: seguidores de Lenin, Fidel Castro, Pol Poti pode se indignar com mortes?
    Wedson Garcia fala tbm em “direita moralista” … Segundo O Livro Negro do Comunismo, de Stéphane Courtois, o comunismo é responsável por 100 milhões de mortes, um montante que ultrapassa em muito o nazismo, que deixara 16 milhões de mortos – e eclipsa o número de mortes no século XX por câncer, diabetes e homicídios.
    A publicação ‘O Livro Negro do Comunismo’ fornece números estimados de vítimas fatais:
    • China: 60 milhões de mortos
    • URSS: 20 milhões de mortos
    • Coreia do Norte: 2 milhões de mortos
    • Camboja: 2 milhões de mortos
    • África: 1,7 milhão de mortos
    • Afeganistão: 1,5 milhão de mortos
    • Vietnã: 1 milhão de mortos
    • Leste Europeu: 1 milhão de mortos
    • América Latina: 150 mil mortos
    Pilako o psiquiatra Lyle Rossiter nos comprova que o esquerdismo é uma doença mental, e eu começo a crer nisso também. (https://ceticismopolitico.com/2013/02/26/o-psiquiatra-lyle-rossiter-nos-comprova-que-o-esquerdismo-e-uma-doenca-mental/)
    Abraços Pilakinho…

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