Das noites tão brasileiras nas fogueiras – André Carvalho.

Há noites que te atravessam. Edgar Allan Poe tem um conto chamado o Corvo, onde o dito pássaro, na soleira da porta, repete “never more” (nunca mais) a cada vez que o personagem se recorda de algo marcante no seu passado. O pássaro é no conto o tempo implacável, que Belchior fez muito bem em lembrar: “como Poe, poeta louco americano eu pergunto ao passarinho: Black Bird, Assum-preto, o que se faz? Never haven never… tudo já ficou pra trás.” Quer dizer, o passado é absolutamente inapreensível. Como também são as noites que te atravessam, anunciando a própria chegada na soleira da porta, pedindo abrigo no fundo da alma.

E se a noite atravessa um sujeito é justamente porque ela é companheira da alma. São João da Cruz falou dessa intimidade na noite escura da alma, conclamando que “a ditosa” não tinha outra luz além daquela que ardia no coração. Ora, o teólogo estava aperreado com a profunda sensação de abandono após uma experiência milagrosa. E quem algum dia experimentou a luz, a fé religiosa, sabe o quanto ele estava correto.

Mas há outras noites vazias, que paradoxalmente de tão escuras podrm esquentar a gente também. Já não estou convencido de que São João da Cruz ou Edgar Allan Poe sabiam disso, no entanto, certamente Luiz Gonzaga disso sabia muito bem. E não era ele quem cantava: “se a lua nasce por detrás da verde mata, mais parece um sol de prata prateando a solidão”? Ora, a gente sabe que a Lua não tem luz própria! É a alma nordestina que ilumina ela e lhe dá essa ilusão de calor. Assim também acontece com os balões multicor, as noites brasileiras, as fogueiras, tudo isso não é mais que o nosso espírito quente, que guarda um restinho de calor durante o dia para depois esquentar a solitária noite. Não é à toa que chamavam Luiz de a “luz do Sertão” ou mestre Lua, como diria Fagner.

As noites de São João (o Batista, discípulo de Cristo) são opostas à noite escura da alma, de São João da Cruz, e tomam o partido de Luiz Gonzaga, não o de Edgar Allan Poe. Elas nem precisam pedir licença para te atravessar, pois alma não carece de soleira quando a noite é morna. Te invade de um jeito, que na hora a gente nem sente.

Sexta-feira também é São João em Barcelona. Mas é um São João diferente, meio insosso, que anuncia uma renovação igual ao réveillon: as pessoas se reúnem na praia, assistem fogos e cantam, dançam e comem até o raiar do dia. Ora bolas, decididamente essa não é a nossa noite de São João. Minha gente, a nossa noite não inaugura um novo tempo, não anuncia o verão, não pretende trazer novas vibrações. A nossa noite só quer aconchegar a alma, estender uma imensa coberta nos corações nordestinos e com voz de vó dizer baixinho: se acanhe não meu fi, venha cá, se aprochegue!

Feliz são João, Pilako!

André Carvalho
Correspondente do Blog do Pilako em Barcelona.

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