Lá se vai meu São João – vale a pena ler…

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Posto novamente, artigo abaixo, o texto do Desembargador Federal, Paulo Roberto De O. Lima realçando o São João da sua infância e suas “traquinagens”. Vale a pena ler. (postado no nosso blog no dia 24 de junho de 2013)

 Lá se vai meu São João

PAULO ROBERTO DE O. LIMA – DESEMBARGADOR FEDERAL

Hoje, pela manhã, ouvindo as notícias de minha terra (Alagoas) soube que o Ministério Público celebrara com a prefeitura, e com o governo estadual, um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) disciplinando as dimensões e a composição das fogueiras de São João. A partir deste ano, só serão admitidas as de menos de um metro de altura, de largura inferior a sessenta centímetros. A norma, quanto ao material empregado, é mais draconiana: só serão admitidos arbustos, aglomerados, compensados sem pinturas e vernizes (estas coberturas, uma vez queimadas, exalam gases malignos) e, principalmente, uma espécie de tora feita de bagaço de casa prensado, de uso corrente em fornos de padaria.

Lá se vai meu São João. Lá se vão os cheiros preciosos de “minha infância querida que os anos não trazem mais”. Que graça pode ter uma fogueirinha de bagaço de cana?!

A notícia me deixou triste e preocupado. Comecei a refletir sobre ocupações de minha infância e descobri-me um criminoso de muita periculosidade. Quase tudo o que fazia em menino hoje é proscrito e, por vezes, punido com cadeia.

Fiz e queimei fogueiras invejáveis, grandes, muito acima de minha altura, todas de toras de madeira maciça, quase sempre sobra das podas das jaqueiras, das mangueiras e de outras fruteiras que guarneciam a chácara de meus avós. Soltei balões às pencas. Criei, treinei e pus a brigar falos, canários e peixes beta. Aliás, com os primeiros tive verdadeira relação de adoração.

Na varanda de minha casa de menino jamais faltaram gaiolas com sabiás, curiós, galos de campina, guriatãs, papa-capins, sanhaços, caboclinhos, canários etc… eram os amores de meu pai. Passei dias e dias, manhãs inteiras e imperdíveis, escondido sob alguma árvore amiga, com a “chama” e a arapuca, com coração aos pulos, na cata de passarinhos canoros. Cacei com peteca (estilingue), bodoque, espingarda de ar comprimido e, já grandinho, com espingarda de cartucho que eu mesmo fazia na véspera, com espoleta, chumbo, pólvora, estojo e fios de corda para tampar.

Naquela época não tínhamos brinquedos industrializados, não tínhamos os ipads, ipods, iphones da vida. Nem mesmo televisão tínhamos na pequena cidade do interior. Só nos restava “delinquir”.

Penso que para um juiz rigoroso, até nosso pião natural, feito de goiabeira, que zoava na palma da mão, era vedado posto que não receberia o licenciamento ambiental dos Ibamas da vida. É difícil encontrar uma só das tantas atividades lúdicas de minha infância puríssima que não seja contravenção penal ou ilícito administrativo. Ainda bem que eu era “de menor”.

(DIÁRIOdePERNAMBUCO – Recife, domingo, 16 de junho de 2013 – pág B9)

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