Medo Social – por Valdenice Raimundo

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Depois de alguns dias sem escrever, estou eu de volta. Reconheço que os dias têm passado tão depressa condicionados pela quantidade de atividades diárias, que muitas vezes, somos compulsoriamente afastados daquilo que gostamos de fazer. Mas, fico feliz em driblar essa dinâmica e estar aqui mais uma vez.

Hoje quero que reflitamos sobre alguns aspectos do medo social. Ele tem ganhado centralidade nos diálogos, nos noticiários, nos debates, em vários espaços; infelizmente tem se tornado comum encontrarmos pessoas assustadas. E por que escrever sobre isto? Recentemente uma aluna foi assaltada e conversávamos a respeito, quando outros alunos e alunas se aproximaram trazendo outros exemplos, alguns vividos por eles mesmos, outros por amigos, família e parentes e uma palavra que apareceu todo tempo nas falas era: Medo.

A mídia, principalmente a televisiva tem mostrado abundantemente notícias com narrativas repetitivas acerca das diversas formas de violência que tem impactado as pessoas das mais diversas classes sociais. E em meio a tudo isto o medo aparece e aumenta o terror.

O medo social resulta da violência que na nossa realidade tem tomado grandes proporções e como temos visto tem interferido no cotidiano das comunidades e, consequentemente, das pessoas. Entendemos que a violência é um tema que merece ser tratado de maneira cuidadosa já que ela se expressa de diversas formas. Temos a violência urbana (homicídios, assaltos, trânsito), social (aprofundamento da pobreza), política (corrupção), cultural (intolerância religiosa, invisibilidade das expressões culturais populares), contra a mulher (doméstica), crianças (pedofilia, abuso sexual), idosos (cerceamento da liberdade) e etc..

O que sabemos é que a violência tem afetado o nosso cotidiano alterando as relações entre as pessoas e introduzindo o medo, o que tem levado as pessoas a uma segregação, em muitos casos, involuntária.

Conversando sobre isto com algumas pessoas lhes perguntei – e do que vocês têm medo? Elas responderam que tinham medo de pessoas estranhas, de pessoas em motos, de sair à noite, de precisar do transporte coletivo, de andar na rua com relógio, dentre outras coisas.

E aí algo me inquietou e pensei: nem toda pessoa estranha que encontramos estará imbuída de desejo de praticar o mal, nem toda pessoa que tem como transporte moto faz uso dela para assaltar ou matar. Então, o que fazer?

Não podemos negar que a violência é uma realidade, porém algumas questões precisam ser analisadas e enfrentadas, e embora não poderei esgotar tais questões aqui,  vamos a algumas:

  • A espetacularização da violência pelos meios de comunicação – Todos os dias os jornais em horários matinais, de almoço e repouso, expõem casos de violência. Há uma imposição dessas reportagens nos canais abertos. Até parece que só existem esses fatos acontecendo. Por que também não investem diariamente em noticiários mostrando os jovens que batalham todos os dias para trabalhar, estudar, cuidar da família? Eu conheço vários cuja vida é um exemplo.
  • As respostas do Estado brasileiro à violência– Como já disse, a violência, infelizmente, é um fato, mas não podemos deixar de considerar que ela em grande parte é resultado da desigualdade social. A não socialização da riqueza socialmente produzida, o não acesso aos direitos humanos (sociais, civis, políticos, econômicos e culturais), a situação de empobrecimento de muitas famílias, são algumas das razões apresentadas pelos sociólogos como geradoras ou potencializadoras da violência. E como o Estado tem enfrentado isto? Investindo na repressão em detrimento da educação, do lazer, do esporte, da moradia segura, do investimento na cultura. E qual a nossa postura frente a isto?  Precisamos sair da nossa zona de conforto e reivindicar vida digna para todos/as.
  • A criminalização da pobreza – é um fenômeno que tem que ser combatido. Os pobres não podem ser vistos e tratados como criminosos, só por sua condição social. Até porque está evidente na nossa realidade que as “vantagens” da vida do crime têm corrompido empresários, políticos, clérigos.

Não podemos aceitar uma convivência pacífica com o medo em nenhuma de suas expressões; não podemos aceitar só esse tipo de noticiário. Nossas conversas não podem ser reduzidas ao fatalismo. Precisamos dar vazão aos sonhos, a esperança, a novos projetos. Identificar que existem muitas pessoas contribuindo para que o mundo seja melhor. Precisamos nos surpreender com a beleza das flores, o sorriso das crianças, o calor do sol. Não perder de vista o tempo de convívio com nossos amigos e familiares. Necessitamos de novos diálogos, sem perder de vista a realidade e como ela se apresenta, mas não esquecer que ela é dinâmica e nos propõe momentos e diante deles, precisamos ser críticos, propositivos, criativos e, sobretudo, humildes para pedir sabedoria a Deus.

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Valdenice José Raimundo
Doutora em Serviço Social
Docente na Universidade Católica de Pernambuco
Líder do Grupo de Estudos  em Raça, Gênero e Políticas Públicas – UNICAP
Coordenadora do Projeto Vidas Inteligentes sem Drogas e Álcool – VIDA.
Endereço para acessar este CV:

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