
Entre as mais famosas editoras de obras literárias que se tornaram de selo forte essencialmente inconfundível, não só dos EUA, uma se destacaria, quase isolada, durante décadas pela excelência do seu catálogo, resultado de um rigoroso esforço seletivo no mercado internacional de livros. Não seria outra, senão a editora fundada, em 1910, em NY, pelos Alfred A. Knopf e Blanche Wolf Knopf, notoriamente visionários e com forte dose de coragem, persistência e disciplina.
O bom gosto mostrava-se presente nos detalhes de cada edição da Knopf. Diziam que o editor queria vestir seus livros tão elegantemente quanto ele próprio julgava trajar-se no dia a dia. Nem a Gallimard, a editora francesa de Gilberto Freyre (Maitres et Esclaves), ou a poderosa Suhrkamp Verlag, de Frankfurt, (geralmente considerada como uma das mais importantes da Europa), no enfrentamento de concorrentes da Knopf, por serem fluidas, mostravam-se com criatividade gráfica nas suas edições. Teria sido esse o mesmo ideário empresarial da Taschen, a editora alemã, de Colônia, do Benedikt Taschen, o mais corajoso e seletivo editor europeu no requintado gênero de obras de arte; detentor, isolado, de um gigantesco banco de imagens. A senhora Blanche Knopf, bela, carismática e cativante, além de ícone na arte de editar, numa das viagens de trabalho para fora dos EUA, além da Europa, esteve mais de uma vez no Brasil, demorando-se no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1942, quando a sua empresa já estava solidamente estabelecida, com títulos famosos nas melhores livrarias, concorrendo em qualidade e em preço.

Foi quando descobriu a obra de Gilberto Freyre: Casa Grande & Senzala. A partir de então, sabe-se que haveria de surgir, entre o casal Knopf, uma amizade que os biógrafos de Gilberto resumem como das mais proveitosas para o sociólogo e antropólogo pernambucano, ao ponto de Alfred e a mulher se tornarem “padrinhos”, da neta de Gilberto e Magdalena, a Ana Cecília, filha de Sônia Freyre e Antônio Pimentel. Gilberto os chamava de “compadres”, expressão de mesmo gosto dos Knopf quando se encontravam com o “solitário de Apipucos”.
Numa visita a esta capital, em 1960, sendo recebido por Gilberto e pelo antropólogo Roberto Mota no Solar de Apipucos, Alfred Knopf muito discutiu sobre os projetos, já iniciados, da sua editora com o foco na edição de novos livros de Freyre. A visita seria apenas de um dia, mas prolongou-se por causa de um roteiro cultural escolhido por Roberto Mota, a começar pelo então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, a hoje Fundação Joaquim Nabuco, que tem como presidente o escritor Antônio Campos.
Um novo mundo se descortinava para o escritor que mais atingiu a compreensão dos traços que contribuíram para fundar a cultura brasileira (“a primeira civilização moderna nos trópicos”), no campo da antropologia cultural, ainda que sua motivação seja o encontro do ethos brasileiro, a configuração de uma identidade nacional. Para que se tenha uma ideia, Freyre passou a figurar no melhor catálogo da Knopf, ao lado de celebridades como Thomas Mann, André Gide, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Sigmund Freud, Ilva Ehrenberg, Mikhail Sholokhov, Pablo Neruda, Ezra Pound, Simone de Beauvoir, Kalil Gibran, Elizabeth Browne, Gabriel Garcia Márquez, Jorge Amado, o grande Mikhail Aleksandovitch Cholokhov, autor do belíssimo Sementes do Amanhã (1932), que recebeu o Nobel de Literatura por sua obra, depois de editada pela Knopf, eram todos exclusivos no idioma inglês falado nos EUA. Hoje, esse catálogo deixou de existir, a Knopf foi engolida por um conglomerado poderoso de editores e empresários dos EUA.
A senhora Knopf, por ser poliglota (ao ler Freyre no original brasileiro ficou de imediato interessada pelo estilo do autor, (por sua forma múltipla de conduzir ideias científicas, mas sem nenhum exagero cientificista), não tinha nada de amadora e romântica na produção de livros e na escolha do que, para a sua empresa, teria de dar certo, não apenas como um produto comercial. Freyre entendia, como raros, como funcionavam os pormenores da lida editorial.
Dessa amizade, de mútua admiração e respeito, que haveria de durar para sempre, aconteceu um belo gesto da senhora Blanche e do marido Alfred: quando se deu uma das mais devastadoras enchentes de inverno no Recife, em 1975,(*) e que a biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco, fundada por Gilberto Freyre, perdeu cerca de 90% do seu valioso acervo, o casal Knopf, ao saber da tragédia, via embaixada e consulado norte-americano, de imediato, tranquilizou o amigo brasileiro, garantindo duas grandes doações de livros com a famosa logomarca da editora, representada por um cão russo da raça Russkaya Psovaya Borzaya, conhecida desde a Idade Média.
O vínculo, ao longo dos anos, não só de editor, com Gilberto Freyre foi tão cordial, que ele, num belo gesto de gratidão, prestaria homenagem à memória da senhora Blanche, inaugurando uma placa com o seu nome na biblioteca que ela ajudara a reconstruir. Outro grande gesto foi feito, recentemente, pelo escritor Antônio Campos, ao doar a essa casa de leituras e pesquisas o valioso acervo da biblioteca de seu pai, escritor Maximiano Campos. Hoje, essa biblioteca pode ser vista como um tesouro cultural no secular bairro recifense de Apipucos, sob a guarda competente da bibliotecária Nadja Pernambucano e sua equipe.
Passados os anos, a Biblioteca Blanche Knopf com mais de 100 mil títulos nas diversas áreas do conhecimento humano, tornou-se uma das maiores do Brasil, protegida por uma brigada de defesa patrimonial, outra importante ação da Fundaj para resguardar os seus equipamentos culturais de Casa Forte, Apipucos, Derby e Engenho Massangana.
(*) “A água é feminina nas suas bondades como nas suas traições” (Gilberto Freyre – DIARIO DE PERNAMBUC, 1924).
Marcus Prado – Jornalista.
