
A povoação de São Vicente, encravada, em 1860, nas terras pernambucanas de Timbaúba, e que se originou, contam os historiadores, de uma feira, aos domingos, à sombra de uma árvore, foi o berço de Francisco Alcêdo da Silva Marrocos. Probrezinho, e muito moço, desacompanhado da proteção dos homens, mas, abençoado por Deus, deixou, Alcêdo Marrocos, o berço nativo, e veio para o Recife. Atirou-se às asperezas e as traições do destino, ingressando no funcionalismo público, ocupando uma banca, informa um biógrafo, na Tesouraria Geral da sua província.
Concluiu os preparatórios, e conseguiu, aos 23 anos de idade seteado de sofrimento, matricular-se na Faculdade de Direito do Recife. Pertenceu ao número dos estudantes que se distinguiram pela cultura e pelo talento, figurando, destacadamente, no pequenino rol dos amigos de Tobias Barreto. Obteve, em 1887, a carta de bacharel, na turma de Alfredo Pinto, Claudino dos Santos, Costa Pinto, Graça Aranha e de Metódio Maranhão. E no ano seguinte, com a tese – “Pode haver self-goverment sem parlamentarismo ?” – bateu à porta da Faculdade, num concurso, ao lado de Gomes Parente, João Elísio e de Martins Junior.
Voltou à arena, em 1893, disputando, com Sofrônio Portela, a cadeira de Seabra. E, mais tarde, em 96, entrou em dois concursos, defendendo, no último, na campanha de José Anísio e de Gervásio Fioravanti, a grande tese – “Poesia do Direito Romano “, – com os aplausos dos mestres. Não conseguiu a vitória, nessas retumbantes e luminosas batalhas de fino espirito, e de cultura jurídica. A política arrebatou-lhe, sempre, a glória pacífica, de uma cátedra. Jornalista vigoroso, batalhou na imprensa pernambucana, redigindo a “Revista Comercial”, o “Era Nova”, diário do vigário Augusto Franklin e o “Jornal do Recife”. Colaborou no “Jornal do Comércio”, do Rio, e no Amazonas, afirma Sebastião Galvão, defendeu, ardorosamente, o governo, na famosa questão do Acre, ouvindo a orientação de Silvério Neri. Estudou, a esse tempo, a língua dos selvagens, publicando, mais tarde, o “Dicionário Guarani-Português”, no Estado do Pará.
Quando regressou da Amazonas, fixou-se no Recife, alquebrando, quase cego, na desventura. Feria, o destino malvado, o grande Alcêdo. Deu-lhe, a Santa Casa de Misericórdia, uma casa humilde e triste, perto do Hospital Pedro II. Em 1921, o Instituto de Ciências das Letras, espécie de Academia, levou ao cêgo glorioso, as rosas da amizade. Agradecendo a homenagem, em famoso discurso, ele viu, nessa festa, o “viático da glória ao moribundo”.
E na verdade, dois anos decorridos, a 11 de março de 1923, parou o coração de Alcêdo Marrocos. Já não havia, nos olhos do mestre, a luz do dia. Iluminava-lhe o rosto, pálido e sereno, a luz da eternidade.
Célio Meira – escritor e jornalista.
LIVRO VIDA PASSADA…, secção diária, de notas biográficas, iniciada no dia 14 de julho de 1938, na “Folha da Manhã”, do Recife, edição das 16 horas. Reúno, neste 1º volume, as notas publicadas, no período de Janeiro a Junho deste ano. Escrevi-as, usando o pseudônimo – Lio – em estilo simples, destinada ao povo. Representam, antes de tudo, trabalho modesto de divulgação histórica. Setembro de 1939 – Célio Meira.
