Correspondente em Barcelona

A primeira coisa que nos faz sentir saudade quando estamos num lugar estranho é de ouvir nossa língua materna na boca das pessoas. De algum modo quando ouvimos o português brasileiro, sabemos que estamos um pouco em casa.

Dito isto, deu um bocado de alegria saber, e ouvi isso de um brasileiro em Barcelona, que saudade é uma palavra que só existe no português. Em castelhano a tradução mais parecida com saudade é extrañar (algo como perder ou estranhar). Portanto, nossa palavra carrega um sentido mais poético do que a tradução espanhola, uma vez que significa a “presença da ausência”. Mais sofisticado, né? Não é de graça que ela foi tema de tantos livros e canções portuguesas. Ora, saudade tem muitos particulares.

Saudade aumenta o tamanho das coisas, por exemplo. Veja o caso de uma simples tapioca: alguns pesquisadores nordestinos, que estão também estudando por aqui, realizaram uma intensa busca da torno da goma de tapioca (caríssima, por sinal). E a primeira a encontrar em Barcelona (uma paraibana) anunciou a descoberta com a felicidade de um bandeirante que encontrou ouro. Daí percebi o quanto cheiramos tapioca no café da manhã, nas ruas da cidade, no jantar e etc.

Saudade também diminui coisas grandes. A crise que atravessa o país (com reformas trabalhistas, previdenciárias, fiscais, empurradas goela abaixo do brasileiro, nem sequer sufragadas nas eleições) de repente fica um tanto menor desse lado. É que nossos problemas não parecem menos graves (e tento nunca esquecer disso), pois a vontade de ter presente o seu lugar é sempre maior.

A saudade lhe mostra com assustadora clareza o seu lugar. Se algum dia você se perder pode contar que ela te mostra o caminho de volta. Daqui até compreendi melhor Belchior (que agora virou saudade): “não precisam que me digam de que lado nasce o sol porque bate lá meu coração”.

Por último, é muito difícil acrescentar algo novo sobre saudade, tendo em vista que ela já foi cantada e explicada milhões de vezes. Mas fazer o quê? É que cada geração que nasce e que fenece acha que tem algo mais novo e verdadeiro a dizer sobre ela. E se isto é verdadeiro, se ela insiste em rejuvenescer em nossa língua, é que ela tem a um só tempo um pouco de vida (e por isso vibra nos corações moços a cada vez que é proferida) e de morte (pois a morte abre o caminho para a saudade, de modo que as duas só podem ser parentes).

Estou cheio de saudade do meu lugar e da nossa gente. Nunca viajo de mala vazia.

André Carvalho.
Vitoriense e atualmente realiza uma parte do doutorado em Barcelona.

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