TALENTO E ARTE

Todo domingo, eu me lembro que sou um compulsivo colecionador de recortes de jornal desde menino, quando meu pai comprava o “Diario de Pernambuco”, e eu me punha a recortar as matérias e colecioná-las por assunto. Era danado pra ler Mauro Mota, Gilberto Freire, Selênio Homem de Siqueira, Ariano Suassuna, José Lourenço de Lima, Renato Carneiro Campos, etcétera. Outro dia, numa de minhas elucubrações, remexendo papéis de madrugada, encontrei um recorte já alaranjado pelos domingos, onde o poeta Marcus Accioly, numa entrevista, termina por dissertar sobre a diferença entre “talento e arte”. A pergunta era a seguinte:

DP – Não há forma para ser um bom poeta. Mas, existirão aquelas para não se fazer uma má poesia?Aí, Marcus Accioly – Perguntaram a um poeta espanhol o que era necessário para se fazer um poema. Ele respondeu que seria “começar por uma letra maiúscula e terminar com rima”. Perguntaram novamente: “E no meio?” O poeta respondeu: “Hay que poner talento.” Sabemos hoje que o poema não precisa começar com letra maiúscula nem terminar com rima, mas de talento ele continua precisando. Contudo, que não se confunda “talento” (que é um dom) com “arte” (que é uma técnica). Contam que Miguel Ângelo encontrou, ao acaso, uma pedra de mármore e ficou estático olhando a pedra. Alguém duvidou dele: “Você está vendo uma pedra?” O artista respondeu: “Não, estou vendo um anjo sentado.” O talento viu, intuiu o anjo sentado, mas a arte é quem retira da pedra o anjo de pedra. O poeta Sílvio Roberto de Oliveira me contou a história, quase estória, de um escultor popular que fazia ursos de madeira. Indagado como conseguia realizar tal tarefa, respondeu: “É fácil. Eu tiro da madeira tudo que não é urso, e só fica o urso.” Portanto, a única forma para não se fazer um mau poema é (re)tirar do poema tudo o que não é poesia. Assim – como disse Mallarmé – “restará arte ou quase nada”.

Sosígenes Bittencourt

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