VIOLENCIA(S)

Caro/a leitor/a, mais uma vez me atrevo a trazer uma breve reflexão que foi potencializada sobre uma situação que, recentemente, presenciei andando pelas ruas da capital pernambucana. Antes, porém, quero agradecer a todos/as que curtiram, partilharam e comentaram a matéria referente à semana passada.

Bem, retornando a situação que presenciei. Caminhando apressada, a dinâmica social tem exigido cada vez mais que andemos apressados. Então, eu vi um grande burburinho e quando procurei entender o que estava acontecendo me deparei com um cenário que expressava muita violência. A cena: Dois meninos, em torno de 14 anos, que tinham acabado de roubar um celular. Uma menina assustada, a dona do celular. Dois homens adultos, que espancavam irracionalmente os meninos. E por fim, uma multidão revoltada, cujas palavras serviam de combustível para a violência impetrada contra os dois meninos.

Por um instante pude ver e sentir a dor dos meninos, que estavam sendo chutados, esmurrados e pisoteados, tudo isto numa sequência imbuída de muita perversidade e uma revolta inominável. O pedido de socorro dos meninos não era ouvido por quase ninguém. Vi a menina e quis acolhê-la. Ela estava desnorteada, assustada, seus lábios pálidos, uma figura invisível naquela multidão de revoltados. Olhei para os dois homens. Apenas um conseguiria dominar aqueles meninos sem uso da força. Mas, eu podia ver prazer nos olhos deles. Indaguei: Meu Deus, em quem de fato eles estão batendo? E a multidão?… Todos, homens, mulheres e até crianças, gritavam: Bate! Mata! A multidão me assustou muito e concluí: a voz do povo não pode ser a voz de Deus.

Partilhando isto com alguns amigos, eles relataram histórias semelhantes. Não eram histórias que eles tinham visto nos programas de reportagens policiais na TV. Eram relatos de situações que eles tinham presenciado. Então, quase em uníssono indagamos: para onde estamos indo, enquanto humanidade?

Voltando a situação. Fiquei tão inquieta ao ver o sangue escorrer dos corpos magros e desnutridos dos meninos que gritei: Por favor, senhores parem com isso, são crianças. E me tornei em frações de segundo persona non grata. A minha voz parecia um ruído de um som agudo, daqueles que doem nos tímpanos. Metade da multidão se virou para mim e o terror tomou meu corpo. Minha respiração ficou rápida e as palavras, com as quais busco me relacionar festivamente, sumiram. Ouvi frases preconceituosas, como: o que essa neguinha tá querendo? Só podia ser negra.

Rapidamente concluí: O brasileiro é racista! Pode negar quem quiser. Já disse Joel Rufino no livro – O que é racismo? – “O racismo geralmente explode em momentos de tensão”. Olha ele aí.

Racismo é um tema que quero tratar noutro momento. Hoje a questão é a violência ou as violências. Veja na cena que narrei. Os meninos foram violentos porque roubaram e para aquelas pessoas (homens que batiam e a multidão) mereciam ser castigados. Agora pergunto: os homens que bateram foram violentos? A multidão que respaldou o linchamento, foi violenta?

Por que a população não se interessa em buscar o que tem causado a violência? Até quando vamos culpar os indivíduos apenas? Por que não potencializamos o debate em torno do descaso do Estado brasileiro com suas crianças? Por quanto tempo vamos ficar silenciados frente à morte dos jovens? São tantas as formas de violência! Nos anos de 1990 trabalhei com meninos de rua e, quando os/as meninos/as chegam à rua é porque já experimentaram diversas expressões da violência.

Os dados mais atualizados sobre a violência mostram que o Brasil é o sétimo país mais violento do mundo. É o sétimo país também em violência contra a juventude e, entre os jovens, os negros são os mais vitimados, diz o Mapa da Violência organizado por Julio Jacobo Waiselfisz.

Não podemos reproduzir a violência em nenhuma de suas facetas e para isto, precisamos urgentemente entender o que a origina. Não podemos fechar os olhos para a desigualdade social, para o desejo de consumir que cotidianamente é despertado pela mídia. Não podemos ignorar o tráfico de drogas, a impunidade. Isto tudo tem contribuído para uma desvalorização do ato de viver, uma vez que dentro da organização social que estamos inseridos/as, a capitalista, o importante é o lucro e não a vida humana.

As crianças/adolescentes da situação narrada acima precisavam ser responsabilizadas pelo roubo, mas me responda caro/a leitor/a existiu algum conteúdo pedagógico nos atos dos homens e da multidão? Essa ação contribuirá para mudar o quadro de violência no qual estamos mergulhados?

Deixo apenas duas questões: Primeira, Mahatma Gandhi dizia: Olho por olho, e o mundo acabará cego. No nosso caso podemos dizer: teremos um quantitativo expressivo de crianças machucadas, adolescentes e jovens mortos, mas a violência não será resolvida. Até porque, para mudar é preciso decisões políticas e econômicas fundamentadas em concepções emancipatórias e libertárias.

Segunda, não podemos como já disse anteriormente, promover o fortalecimento de atitudes violentas. Precisamos olhar o outro como nosso semelhante. Lição difícil? Fica aí o desafio. Até a próxima.

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Valdenice José Raimundo
Doutora em Serviço Social
Docente na Universidade Católica de Pernambuco
Líder do Grupo de Estudos  em Raça, Gênero e Políticas Públicas – UNICAP
Coordenadora do Projeto Vidas Inteligentes sem Drogas e Álcool – VIDA.
Endereço para acessar este CV:

2 pensou em “VIOLENCIA(S)

  1. Complicado: a equação da professora não fecha!
    Ao mesmo tempo que reconhece que a menor foi vítima de dois pequenos marginais, critica a atitude irracional de homens que agrediam os mesmos….
    Vejo nisso uma forte romantização do crime….claro que se nossa sociedade fosse ainda, cristã, fatos como esses não ocorreriam de forma tão comum.
    mas se deve ter cuidado para que não se santificar os que roubam e matam!

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