São João no Cajá

Na noite de 23 de Junho de 2011, véspera de São João, minha emoção foi imensa, ao viver a alegria do forró pé-de-serra, da quadrilha, do casamento de matuto, das brincadeiras e das adivinhações de uma festa junina de interior. Tudo aconteceu no município de Vitória de Santo Antão, no sítio Luiz Gonzaga, o Rei do Baião localizado no Bairro do Cajá, ao visitar meu irmão Patriarca. A comunidade que ele mora não passa de poucas casas humildes, onde vivem cerca de 50 pessoas.

Enquanto Dona Mundinha arrumava a mesa com canjica, pamonha, milho cozido, broa de milho, mungunzá, bolo de fubá, pé de moleque, cuscuz, arroz doce e tapioca; os cachaceiros de plantão tomavam seus tragos de cachaça, bate-bate, licor de jenipapo e vinho de jurubeba; as moças incendiavam os corações dos rapazes; as crianças brincavam de cabra-cega, sob a orientação de Dorinha de Dona Mocinha; e os casais forrozavam ao som da sanfona, o triângulo e a zabumba –  todos com suas fantasias de matuto: os meninos de calças compridas, decoradas com remendos, camisas de xadrez, bigodes riscados com carvão, as moças vestidas de chita, cabelos de trança e laço de fita na cabeça, e os rapazes de barba e bigode de carvão, gravatas e paletós envelhecidos, o chapéu de palha era peça indispensável.

O pequeno arruado era modesto! O forró não deixava ninguém parado, a lua, as estrelas, os balõezinhos coloridos, iluminados por pedaços de vela, pendurados nas portas e janelas, os candeeiros, e a fogueira, em louvor a São João, iluminavam o terreiro. As bandeirinhas desbotadas, coladas em cordão de agave, demarcavam o terreiro do baião, xote e xaxado. No sítio, a luz elétrica já  chegou há muito tempo, mas naquela noite isso era secundário.

Assim que Catingueira acendeu a fogueira, Seu Tete colocou uma bacia de água perto dela e, visivelmente  nervoso, passou a se olhar no espelho líquido.

Ele dizia que quem não visse seu rosto refletido na água ia morrer ainda naquele ano. Pelo sim ou pelo não, além dele, ninguém mais se arriscava a olhar para aquela bacia. A fogueira fora feita para durar no mínimo três dias, enquanto o fogo persistisse o café matinal, o almoço e o café da noite eram feitos nela.

As pessoas não saiam de perto das labaredas, parecia que as chamas da lenha exerciam uma atração. Em torno dela, era comum ver meninos e meninas jogando bombinhas uma nas outras ou fazendo guerra de buscapé, e os menores soltavam estrelinhas. Alguns mais acostumados com o calor se arriscavam a assar milho e batata-doce. Moças e rapazes debulhavam pedaços de milho assado, colocavam alguns caroços em uma das mãos e brincavam de curre-curre. O jogo é muito divertido: inicia-se com cada um dos participantes estendendo uma mão fechada com caroços de milho:

– Curre-curre. Grita a mocinha.

– Eu entro. Responde o rapaz.

– Com quanto? Pergunta ela.

– Com dez. Responde ele.

 

Quando um acerta o total das duas mãos ganha tudo, e a disputa acaba, mas, a partir daí, pode começar uma paquera que mais tarde chega à igreja, por vezes, o casório é marcado para o Dia de São João.

As brincadeiras não paravam: eu vi Dona Biu e Olga, virarem comadres!  Deram três voltas ao redor da fogueira, parando em sua frente e declamando:

– Santo Antônio disse, São Pedro confirmou, vamos ficar comadre que São João ordenou.

Dessa forma, ficaram comadres de fogueira para o resto da vida.

Os fogos eram vendidos em uma pequena casinha de madeira enfeitada com papel de parede. Carlinhos, de doze anos, filho de Seu Nino e dona Lia, era o comerciante.

Tetinha me contou que ia introduzir uma faca virgem numa uma bananeira, ao amanhecer a retiraria e esperava  encontrar na faca a inicial da pessoa que ia ser seu noivo. Nininha de Madrinha Tonha comentou com Socorro que ia saber a primeira letra do nome do futuro esposo quando colocasse água num prato virgem, e, com uma vela também virgem, acesa na mão, deixasse cair pingos de cera no prato, logo se formaria a letra, mas ela não diria pra ninguém – isso atrapalha…

Ouvi Marineusa dizer para Marinete que na hora de se recolher ao leito daria nós nas quatro pontas do lençol, escrevendo antes nelas os nomes de quatro rapazes queridos; ao amanhecer, o nó que estivess desmanchado indicaria o nome do seu futuro esposo.

Para completar a magia da noite junina, começou a quadrilha e o casamento de matuto de Zé Turiba sob os roncos das girândolas de Zé da Gaiola, também responsável por soltar balões, aumentando, assim, a animação de todos.

Mas uma grande surpresa me espera no outro dia. Bem cedinho,   na hora da despedida do  meu irmão e sua esposa Carminha, pois, ao sair,  avistei próximo ao portão, Tetinha, Nininha de Madrinha Tonha, Marineusa, Marinete, e mais algumas mocinhas e até mulheres de certa idade, desesperadas, discutindo. Dirigi-me a elas e perguntei preocupado o que estava acontecendo e, após uma aparente calma me explicaram que em suas adivinhações havia aparecido a primeira letra do meu nome como seus possíveis pretendes a noivo ou marido. Mais preocupado ainda perguntei que letra havia aparecido; e elas, quase de uma só vez, responderam que fora a letra  “E”. Então suspirei aliviado e as adverti que não se tratava de mim porque meu nome é Stephem, mas começa com “S”.

Stephem Beltrão

2 pensou em “São João no Cajá

    • Obrigado pela postagem desta crônica junina. É muito emociaonante escrever sobre nossa cidade. O São João no Cajá é realmente inesquecível! Convido a todos passar um São João lá.

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