Nada me infunde tanto respeito como os cabelos brancos.
Os velhos, quando os vejo passar encurvados ao peso dos anos, olhos encovados, face enrugada, semblante quiçá anuviado pelas sombras do infortúnio, sinto n’alma, evoco em mim mesmo todas as suas passadas alegrias, risos e venturas, os seus desenganos, as suas esperanças mortas.
Cada cabelo branco como que retrata uma página da vida, página doirada de luz ou tarjada de luto; revive um episódio interessante, a fase amena dos castelos infantis, o período romântico de verdes sonhos, dos corações enamorados; as primeiras batalhas e os primeiros triunfos na luta pela vida; enfim, reminiscências queridas de anos que se foram para jamais voltar.
Deve ser penosa a existência nessa quadra, quando um homem se transforma num fardo inútil e as mais das vezes aborrecidos e incômodo; quando ele sente a ausência daqueles que o ajudaram nos primeiros passos, dos companheiros de jornada, que o esperam no além-túmulo; e quando nota que tudo é indiferente à sua sorte, que ninguém se preocupa com sua pessoa, mas quando muito cortejam a sua fortuna; quando se convence de que passou a sua época, que o mundo é dos moços e dos fortes, que tem de voltar as costas a tudo o que constituiu o objeto de seus pensamentos e desejos e resignar-se à marcha batida para a eternidade.
É-lhe quase impossível uma conformidade perfeita quando pensa maduramente na sua triste realidade: ou procura afastar de si o pesadelo do fim que se aproxima ou, vencido, angustiado, pede a Deus lhe abrevie a existência.
A maior parte, porém, quer viver, ainda. Embora como sombras errantes do homem ou mulher que foi, que venceu, que riu, que recebeu aplausos e cortesias, que foi talvez o eixo de uma pequeno mundo.
Triste contingência humana!
Prof. José Aragão
Texto publicado no editorial do Jornal “O Vitoriense”, de 07 de Janeiro de 1940.
