Mario Schenberg e Moacir dos Anjos, pernambucanos na Bienal de Artes de São Paulo – por Marcus Prado.

Muito se tem falado no Brasil, com especial ênfase, sobre o complexo ofício da curadoria em artes visuais, a partir da sua gênese até o final das suas configurações. Da necessidade de curadores engajados na produção da infraestrutura da arte. Sabe-se que o cenário das artes plásticas no Brasil está aproximando o país dos padrões culturais internacionais mais avançados e exigentes. Nesse contexto acha-se a figura do curador, profissão a exigir, cada vez mais, um somatório nada fácil de perspectivas culturais, boa formação acadêmica, muitos saberes no campo das artes de todas as épocas, das subjetividades e dimensões históricas. Sem ignorar os paradoxos intrínsecos do campo artístico do seu tempo, os conflitos e exigências que administra com sabedoria nos mínimos detalhes, fatos que configuram um conjunto de agentes e atores necessariamente engajados. Competência de liderança.

Pernambuco tem a destacar a presença de dois especialistas nessa área, ambos na condição de curadores da Bienal de São Paulo, considerada um dos três principais eventos do circuito artístico internacional, junto à Bienal de Veneza e Documenta de Kassel, a maior exposição do hemisfério sul. A nossa Bienal (que tem provocado novas discussões sobre o conceito das artes e muita polêmica) é pautada, cada edição, por questões inovadoras do cenário contemporâneo, reunindo milhares de visitantes não só do Brasil e expositores nacionais e estrangeiros.
O primeiro pernambucano curador da Bienal de São Paulo (1971) foi Mario Schenberg. Além de cientista (foi o nosso maior físico teórico), atuava como professor, tendo publicado trabalhos nas áreas de termodinâmica, mecânica quântica, mecânica estatística, relatividade geral (sabe-se a admiração e amizade que Albert Einstein tinha por ele, de quem era colega e vizinho de gabinete na Universidade de Princeton. Certa vez, pediram para Einstein fazer uma lista de dez pessoas, dez inteligências, e Schenberg estava nessa lista. (Suas primeiras ideias e descobertas, ainda jovem, foram caminhando pelas areias da praia dos Milagres, em Olinda). Tornou-se famoso crítico de arte, amante da Fotografia como arte maior e curador da Bienal de São Paulo. Não só curador, mas fazendo parte da organização cimeira do evento desde 1960. Isto, sem falar da sua atuação política de esquerda, que o levou à cadeia e expulsão do país durante o Golpe de 64. (Foi dedurado por seu amigo, Miguel Reale, reitor da USP, um filósofo menor). Mario tinha uma singularidade rara, ele entendia a importância da união entre arte e ciência. “Ele reconhecia o valor da normatização racional, mas considerava de alta relevância o elemento intuitivo na desconcerta cientifica e na criação artística”, afirma Alecsandra Oliveira, autora do livro Schenberg – Crítica e Criação, lançado pela Edusp, quando era seu diretor o pernambucano João Alexandre Barbosa, mestre da USP, um dos grandes críticos literários do país. Como curador da Bienal de São Paulo, (57 países), Mario muito contribuiu para a renovação e prestígio internacional do certame. Deu lugar a novas experiências estéticas desafiadoras que rompiam definitivamente com as tradicionais categorias de arte.

Depois de Mario Schenberg, separados por mais de uma geração,  foi a vez de Moacir dos Anjos (2010), o mais jovem dos curadores da Bienal de São Paulo, desde 1951, escolhido pelo Conselho de Administração da Fundação Bienal de São Paulo, presidido por Heitor Martins, graças ao seu histórico em outras curadorias, à sua notória interdisciplinaridade (elemento fundamental na curadoria profissional de artes), consolidada com trabalhos realizados no Recife (sua presença como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco foi vista como exemplar), e em outras capitais do Brasil, à sua formação acadêmica na Europa, à sua relação com a história contemporânea das artes. Sem falar de seus livros que tratam de arte visual, crise de representação e Fotografia, e de seus ensaios temáticos em publicações especializadas dentro e fora do Brasil.

Para a Bienal de São Paulo, a 29ª, Moacir levou um projeto ousado, voltado para a arte contemporânea, “com a capacidade de falar das coisas da vida cotidiana”, para que a mostra, segundo entrevista dada ao Globo/RJ, “fosse entendida por todos”. Outra meta: resgatar a importância da Bienal, que já trouxe ao país obras como Guernica, de Pablo Picasso. Sua meta final era um público superior a 1 milhão de pessoas. Foi alcançada. Para tanto, contou com uma equipe de cinco curadores que trabalhavam sob a sua coordenação. Para mim, que estive lá, a Bienal de Moacir foi uma tomada de consciência de que a arte, seus núcleos afetivos, é uma linguagem que espelha o homem e suas circunstâncias, suas resistências, o seu mundo, como também é parte da realidade, um equivalente ideal da realidade, uma imagem típica (verossímil) da realidade, mas como realidade está sempre em transformação. (Existir é devir, como diria Martin Heidegger no silêncio da sua cabana, na Floresta Negra).

Marcus Prado – jornalista

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