Emmanuel Carneiro Leão, patrimônio cultural de Pernambuco – por Marcus Prado.

 

Pernambuco deve se orgulhar de ter sido, nas primeiras cinco décadas do século passado, reconhecidamente, o berço daqueles que contribuíram nos muitos ramos das ciências e de outros saberes, para o prestígio da mentalidade brasileira dentro e fora das nossas fronteiras, sem falar do que conquistou no campo das artes e da Literatura. Em artigo recente nesta página procurei destacar aqueles, na minha opinião, já sobejamente consagrados. Guardei um nome para fechar o ciclo de uma geração de ouro, individualidade síntese, exercitação do que seria parte cimeira dos valores da nossa cultura erudita do século passado. Refiro-me ao professor e filósofo Emmanuel Carneiro Leão, nascido no bairro recifense da Várzea, hoje com 93 anos, pouco conhecido e estimado na sua cidade natal, conta apenas com escasso conhecimento dos seus conterrâneos. Ele que é o mais qualificado conhecedor brasileiro da obra monumental do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), pelos seus pressupostos teóricos, sem perder a sua capacidade ainda de trabalho e pensar, sobretudo no campo da Filosofia; pela sua vasta obra ensaística, pelo legado de professor e fundador de cursos acadêmicos no Rio e Janeiro. O nosso autor tornou-se ao longo dos anos um especialista obsessivo e profundo, além de pesquisador e exegeta quando se trata de Martin Heidegger, de quem foi um dos alunos mais próximos e colaborador. O Heidegger, visto como um marco do pensamento e do saber, o maior pensador do seu tempo alemão. (Obra de investigação filosófica extremamente difícil de ser compreendida, sobretudo para quem não está familiarizado com filosofia ontológica). Destaco Emmanuel na mesma linha de prospecção investigativa e indagações da também pernambucana da Vitória de Santo Antão, Maria do Carmo Tavares da (1936-2012), ela que foi aluna de Heidegger e sua tradutora no Brasil, além de outros grandes estudiosos heideggerianos brasileiros, com passagens demoradas pela Universidade de Freiburg: Ernildo Stein, (de quem tenho recebido gestos e trocas de ideias sobre Heidegger), Vicente Ferreira da Silva (um dos pioneiros nos estudos de Martin Heidegger no Brasil, sendo o pensador alemão a principal influência de sua carreira), Benedito Nunes (tantas vezes recebido no Recife por César Leal e Evaldo Coutinho, fui um deles, quando nossas conversas eram sobre Heidegger e sobre Mario Faustino).

A fidelidade é uma das metas mais perseguidas em uma tradução, entrelaçando-se com a necessidade de tornar o texto acessível ao leitor. Foi o que testemunhei com a releitura há pouco do Ser e Tempo, de Heidegger, um marco na filosofia de todos os tempos, a partir de uma tradução de Marcia Sá Cavalcante Schubaca, filósofa, de origem pernambucana, professora titular da Universidade de Södertörn, em Estocolmo, Suécia,
aluna e colaboradora de Emmanuel, tendo dele a participação como orientador na tradução do livro de Marcia. Traduzir Heidegger diretamente do alemão para qualquer idioma, no sentido amplo, precisa de muita ajuda e encorajamento. Um desafio que raros, em nosso idioma, ousaram enfrentar até hoje. Algo, em menor dimensão, na proposta de tradução de um Joyce (1882-1941), na literatura, de um Pierre Teilhard de Chardin. (1881-1955) teólogo, filósofo e paleontólogo

Estive a primeira vez, em 1998, na cabana de Martin Heidegger, na Floresta Negra (Alemanha). Sua localização é uma aldeia chamada Todtnauberg, no município de Todtnau, região de Baden-Württemberg, muito próximo a Friburgo, onde Heidegger era professor. Ali se estampava um Heidegger com hábitos de camponês. Não é por acaso que foi nela que produziu uma das maiores obras do pensamento do século XX, Ser e tempo. Para mim, a casa mais emblemática da Alemanha, como também não deixaria de ser a casa do Nobel Thomas Mann, um dos maiores nomes da literatura alemã, em Lübeck, que tive a sorte também de conhecer. (O Thomas, filho da brasileira de Paraty, Julia da Silva Mann, o genial autor de A Montanha Mágica, que teve como seu primeiro leitor brasileiro o nosso Gilberto Freyre). Por falar dessa cabana, tantas vezes vista e comentada antes de mim por Miranda e Emmanuel, quero lembrar a importância de Hannah Arendt na vida de Heidegger, no outono de sua vida, ela que foi uma das grandes pensadoras do século 20, figura pública do mundo do pensamento, densa e original, aluna predileta de Heidegger, sua grande e secreta paixão, tantas vezes vista nessa cabana não só para os abraços, para ouvir lições do mestre, (o que vemos no Hannah Arendt & Martin Heidegger: história de um amor, de Antônia Grunenberg-Perspectiva, 2019). O mais conhecido e comentado romance da história da filosofia trazido ao público em todos detalhes, iluminando a trajetória de dois dos mais influentes pensadores da atualidade. A cabana, simples como uma cabana quase toda de madeira, com o seu fogão a lenha, o ambiente em que viveu os últimos anos de vida aquele que a história da filosofia, com todas as suas alavancas de possibilidades e conceitos, consagrou como um dos seus vultos de maior vigor e desafiadora contemporaneidade. E que teve no pernambucano Emmauel a análise dos fundamentos transcendentes de sua obra, de modo inequívoco e frontal.

Marcus Prado – jornalista.

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