AS MATINÊS DO CINEMA BRAGA – por Lucivânio Jatobá

Para muitos, que irão ler esta crônica, o Cinema Braga nada representa. Que cinema mesmo é esse? Em que lugar do mundo ele foi construído? Que importância possui?
O Cinema Braga situava-se no centro da cidade de Vitória de Santo Antão, numa estreita rua de pomposo nome: Rua Rui Barbosa. Era um prédio pequeno, meio quente, sem maiores atrativos estéticos. Em sua parede frontal eram expostos os cartazes de filmes que seriam vistos. O Cinema Braga era a fábrica de fantasias…de minhas tardes de domingo.
Ainda não existia a televisão. As pessoas ficavam nas janelas de suas casas. Outras sentavam-se nas calçadas, em cadeiras de palhinha indiana. As conversas sobre a vida alheia permeavam , quase sempre, aquelas rodas de gente na frente das casas.
Nós meninos vitorienses aguardávamos, com ansiedade, a chegada da tarde do domingo. A fila imensa logo se formava na Rui Barbosa. Enquanto esperávamos a abertura do cinema, podíamos ouvir os acordes magistrais do piano de Vandinho, jovem pianista de tradicional família da Cidade e que morava bem à frente, quase, do Braga.
O comércio estabelecia-se logo de início na rua. O comércio dos meninos, cuja moeda eram, normalmente, cédulas improvisadas de papel que envolvia os cigarros Astória, Minister e Hollywood. Trocava-se ou “vendia-se” tudo: bolinhas de gude, piões, figurinhas dos campeões da Copa do Mundo, gibis, chocolate peixe…Ninguém enganava ninguém. A honestidade de um menino para outro menino era impressionantemente linda.
Quando seu Inácio instalou a máquina de pipoca, na entrada do Braga, que transformou em algo obsoleto as pipocas ( bem mais gostosas, é verdade) de seu Manoel e inútil o “algodão doce” de um outro vendedor, ficávamos parados à frente da máquina com suas pipocas que pulavam sem parar. De repente, lá de um local por trás da tela , surgiam três ritmados e estranhos sonhos. Iria começar o sonho. Os meninos se apressavam para ocupar o melhor lugar na sala de exibição.
Havia , quase sempre, um “filme de índio”. Era filme sobre os “perversos” apaches. Ficávamos atentos à trama. Os soldados do Forte tal, sempre de uniforme azul, partiam para a batalha, ao som de uma corneta, que anunciaria o início do genocídio. Nós nem nos dávamos conta da mensagem subliminar de apoio ao extermínio de seres humanos que se deu nos EUA, na Marcha para Oeste. Quando um apache era morto, o grito de satisfação era geral na plateia.. De súbito, outro apache caia do cavalo , sangrando. Uma bala varara-lhe o peito. E depois outro e outro. A plateia delirava de satisfação! Apaches sendo dizimados, sob os aplausos e gritos da meninada….
O Cinema Braga foi o meu “Cinema Paradiso” Ali , naquele mágico ambiente, sonhei. Esqueci a realidade.. As tardes de domingo, agora, são ainda mais monótonas. Na TV, um homem meio forte de voz irritante, faz com que milhões de meninos e meninas e senhoras e senhores fiquem mudos diante de uma telinha. Os cinemas transformaram-se em templos de seitas que surgem do nada e pregam a salvação eterna.
Lá fora, na tela da vida, os corpos aparecem ensangüentados. Indiferentes a isso, crianças , nas grandes cidades, passam por cadáveres, diariamente, vítimas de queima de arquivo, de briga de traficantes ou de execução sumária por grupos de extermínios.
Enquanto isso, escuto os sons mágicos que emanam dos dedos de Vandinho, coloco-me na fila para comprar o ingresso e depois peço um pacote de pipoca. Acabei de ouvir os três toques lá dentro da sala.
O filme de hoje será….
Meu Deus, que filme vai ser exibido? De que estou falando mesmo? Onde está, agora, Roy Rogers? Cadê o Cinema Braga? Por que não vejo aberta a bilheteria? Onde está a fila enorme que se formava? E os apaches? E o Homem-Morcego? E as figurinhas de Didi, Pelé e Vavá? Preciso trocar as minhas figurinhas!!!!!!
Por favor, me digam: aonde foram todos? Daqui a pouco voltaremos, após os comerciais! Plim,plim!!!
Lucivânio Jatobá – professor. 

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