De vendedor a sorveteiro

 

Eu adoro conversar no meio da rua. Ensinar e aprender. Tudo ensina. As estrelas ensinam, até um esmolambado, dormindo numa calçada, ensina.

Eu estava, outro dia, bebericando uma loirinha suada num restaurante antigo, no centro da cidade, e um cidadão se aproximou, pedindo atenção para uma história que queria me contar.

– Pois não, cidadão. Aprochegue-se.

– O senhor se lembra de mim?

– Lembro-me, mas não sei de onde. Desculpe.

– Eu sou aquele menino que vendia picolé lá no Alto do Reservatório na década de 60.

– Ah! Tudo bem. No tempo em que eu ia me enxerir para as meninas e dar pipoca aos macacos. – brinquei.

– O senhor tinha uma namorada branca, saia bordada e um diadema de margarida na cabeça.

Foi, foi, foi, perguntei-lhe o que era ou fazia hoje. Sabe o que me contou? Contou que só fez o primário e tudo que tinha na vida foi de trabalho e economia. Caiu no mundo cedo. Seus pais eram pobres, à época, e não tinham como lhe dar o sustento. E aí, deu uma aula de resiliência e organização. Resiliência é aquela palavra tomada emprestada à Física pela Psicologia. Significa reação positiva às adversidades da vida. Entendeu? Adicione-se a isto uma dosagem de organização. É fácil de entender. A primeira caixinha de picolé e a primeira remessa da guloseima foram-lhe confiadas pelo dono da sorveteria. Contou que era tão pequeno que o cocão não alcançava o balcão da sorveteria direito. De posse da mercadoria, escalou o Alto do Reservatório para vender a primeira ruma de picolé de sua vida. Era coisa pouca.

Para encurtar a conversa, com dois dias perambulando pelas ruas, já havia pago a caixa de picolé, estava comprando o produto a dinheiro e uma reserva escondida debaixo do colchão. Pois bem, sabe o que o cidadão é hoje? Simplesmente, dono de uma sorveteria, casado, os filhos estudando e 4 funcionárias trabalhando em seu negócio. Aliás, lá estavam elas lanchando, sorridentes, numa mesa ao lado. Todas fantasiadas com a roupa da sorveteria e a logomarca no horizonte da blusa.

Sabe o que é isso? Os pilares do progresso financeiro. Saber ganhar e saber gastar. Todo mundo sabe ganhar um dinheirinho, poucos sabem gastar. Tem uma aulinha de economia, simples, que diz: saber ganhar, saber gastar, saber investir e economizar. Penso que as duas últimas têm tudo a ver com as duas primeiras.

Em suma, fiquei felicíssimo com a felicidade confeccionada pelo cidadão que não estudou e tinha tanto o que ensinar.

Sosígenes Bittencourt

1 pensou em “De vendedor a sorveteiro

  1. Costumo dizer que dinheiro não vale pela quantia e sim pela administração. Pois, não dinheiro “muito” que mal administrado pareça “pouco”; e há dinheiro “pouco” que bem administrado pareçe “muito”.

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