Fim de Semana Cultural:
Cataclismo (conto) – por Arquiles Petrus

Ilustração: João Francisco

Acordo. O relógio marca seis da manhã. Um cansaço emocional me vem à tona. Uma dor intensa na cabeça me faz ficar um pouco deitado por mais alguns instantes.

Visto-me e vou à sala. Não vejo ninguém. Na cozinha só encontro algumas panelas em cima do fogão. Acho que todos ainda dormem. Lavo os olhos num banheiro ali perto e volto ao quarto para procurar algum calçado pra sair.

Pela Praça da Matriz, sigo em direção à avenida. Lá, encontro dezenas de pessoas tentando limpar as ruas completamente atoladas de lama; tenho que medir os passos para poder conseguir continuar, as casas comerciais estão em caos, portas foram arrombadas pelas águas, dava para ver dezenas de celulares, sapatos e várias outras mercadorias encharcadas de lama nas encostas. Alguns tentam salvar o que restou… outros roubavam o que havia restado.

Pasmo, porém curioso, acelerei os passos. No final da avenida, escuto alguém falar da Rua da Madeira. Não ouvindo bem o que aquele senhor havia falado, decidi ir até lá, afinal, estava bem perto dali.

Um bebê chorava enquanto eu caminhava pelo que restava daquela rua. Sinto alguma coisa rodar em meu estômago. Aquilo não parecia ser uma rua, muita lama espalhava-se entre aparelhos de televisão, sofás ou brinquedos; lá, quase não se encontravam casas. Aquele conjunto popular estava em ruínas, várias delas haviam caído com a força daquele rio. Quando de uma hora pra outra, sinto alguém me puxar pelo braço.

“Aqui, filho, aqui, veja…” – Falou uma senhora apontando um risco na parede.

Senti como se meu coração tivesse sido colocado em uma máquina de moer carnes, com alguém rodando uma maçaneta, aos poucos. Meu coração estava em migalhas.

“A água chegou aí?” – Pergunto perplexo.

Antes que ela respondesse, eu já estava muito longe. Voltei minha atenção à rua, enquanto aquela senhora começava a contar como conseguiu salvar seu animal de estimação.

Volto a caminhar, a situação é deplorável; eu me sinto como se estivesse em uma cena de guerra.

Diante da esquina, parei.

Uma senhora me observava. Seu olhar me chamava atenção. Ela pega em minhas mãos e olhando em meus olhos, deixou algumas palavras saírem de sua boca: “ainda há quem reclame da vida por tanta besteira…”

Concordei com ela, chorando. Talvez, ela conhecesse minha vida muito mais do que eu.

** Conto escrito em outubro de 2004.
** Publicado em 2005 no segundo livro do autor, “Cataclismo” (CONTOS) – Editora Baraúna

Arquiles Petrus – Escritor membro da
Academia Vitoriense de Letras

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