Fim de Semana Cultural:
Balada de Uma Noite Escura – Por Valdinete Moura

Estava no limbo. Imprensada, imponderável, perdida no escondido de mim. QUERENDO ser feliz, dar risadas, correr pelos campos, amar. Só entendia de chorar, de errar, não encontrar. Ou, encontrando, achar errado. Sofrer. Entendia mais de perder do que de qualquer outra coisa. Foi o que aprendi. Mesmo quando me ensinavam rindo, dizendo é para o seu bem. Para o meu bem? guardar a boneca que era minha? da menina que eu era? pra não estragar. Cresci e a boneca ficou lá na sua caixa. Inteira, vestido limpinho, cabelo novinho. Também! Quem quer saber de bonecas se no mundo há meninos? Interessantes, eles. Eu queria. Queria dançar, passear de mãos dadas, correr pela praia, ir ao cinema, abraçar, beijar, ser beijada. Não. NÃO! Para seu bem. Uma mocinha precisa se recatar. Não, não e não. Onde estavam os sins deste mundo? Já era uma mocinha (todo mês, a certeza) e os sins não para mim. A boneca já não interessava mais; os meninos, sim. Antes, escondida, brincava com a boneca, com medo. Agora. Com os meninos, também com medo. Eu queria, Não sabia querer? Não me diziam o que precisava ouvir. Perguntas sem respostas. Milhares delas; tantas nem formuladas. Para que? Sempre o mesmo; para o seu bem. Existiam o bem e o mal. Eu sabia. Queria errado? O mal? Era assim, eu? Escondi meu querer diferente no fundo do coração e entrei na forma. Segui. SEGUI? Me levaram: a seguir, a fazer, a querer. E eu?Fui. No limbo, impensada, imponderável. Peso, só em mim, no fundo do coração.

Um dia, eu que não era encontrei alguém que era. Quer a mim como se quer a alguém que se quer. Tão diferente; em tudo. Eu, mulher, adulta, casada, filhos. Adulta? No peso do coração, a dúvida (mais o querer rejeitado); que fazer com casa, marido, filhos? Mas, deve ser assim! Eu, errada? Desvio da natureza? Deve mesmo ser assim? Agora é tarde: filhos. No coração, peso mais pesado, na alma, solidão; no rosto, a mensagem. Você leu, entendeu. Por que agora? Tão tarde. Você, tão diferente. Tudo: a juventude que não tenho mais (você não é velha), a liberdade (ser livre é conquista), o marido, os filhos (pense em você, viva). Amo você, escuto. Não quero. Amo você, não digo, proíbo pensar. Penso, amo você. Só penso você. Não devo, não quero. NÃO!!! Não aguento. Morro (não morra, quero você). Vegeto as horas de minha vida cotidiana. Vegeto e me dissolvo, verme pegajoso agarrado e pré- (conceitos, visões, estabelecimento). Me dissolvo entre nãos externa e internamente. Vou… (Não vá), mais um não! (um sim, a você). Também amo você, sinto, não quero, não digo, não posso, proíbo… e desobedeço. Amo você, grito aos quatro ventos nesta noite sem luar. Grito e ninguém ouve o grito morto na garganta. Amo você, soluço baixinho; só meus ouvidos escutam.

** Conto integrante do livro “Mulheres na Chuva” pela Ilumine Editorial.


Valdinete Moura
é escritora,
membro da Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciência

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